Hoje é, era, seria aniversário de Cora Coralina. Infelizmente lhe sei pouco. Muito pouco. Poemas cá e lá, uma crônica ali, um conto saboroso de defunto que ressuscitou. Mas sei, para minha admiração e esperança, que a nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, escritora amorosa desde os 14, só aos 75 é que foi ter o primeiro livro publicado. Publicado e adorado, incensado, paparicado por Drummond. Deu no que deu.
Minha esperança não é ser uma Coralina ou ter um Drummond. Minha esperança é – cedo de preferência, mas tarde que seja – viver o turning point conhecido pela poeta (odeio a palavra poetisa, vocês não?) aos 50 anos, num momento que descreveu como a “perda do medo”. Que medo? Tantos. Vários. Nascida que era no século XIX, não seria de admirar que muitos. Antes de ser Cora Coralina, Ana Lins já publicava em jornal e até dirigia um semanariozinho feminino, mas também se uniu a um Cantídio que a proibiu de participar da Semana de Arte Moderna, apesar – ou por causa? – do convite de Monteiro Lobato. Ana Lins escrevia, mas era mulher do chefe de polícia. Escrevia, mas ficou semanas trancada num hotel paulista porque os revolucionários de 1924 haviam parado a cidade. Escrevia, mas teve um de seus filhos participante da Revolução Constitucionalista de 1932. Escrevia mas ficou viúva, vendeu livro, vendeu linguiça, vendeu banha de porco. Escrevia mas tinha receios, tinha limites, tinha obstáculos, tinha preocupações, tinha obrigações, tinha desvios, tinha contingências. Aos 50 anos, sei lá por que processo ou realidade, perdeu-as. O que fosse que ainda a afastava de si, perdeu-o. Entrou no casulo Ana, saiu Cora.
Estimo que não tarde ainda 19 anos, porém aguardo lagartinhamente o rebentar do casulo. Não a perda do pudor público: a perda do visgo privado. Não a perda da vergonha: a perda da algema. Não (não, não!) a perda do respeito, do receio, do tato, do decoro: a perda da covardia, da paranoia, do orgulho, da timidez. O rasgo da fita métrica pautada por olhar alheio. A quebra dos sins dados sem propósito e dos nãos ditos sem piedade. O estilhaçamento da pressa sem objetivo, da fuga sem critério, da falta sem desculpa, da opinião sem estudo, da recusa sem reflexão. O fim das autoarmadilhas, autoboicotes e autotropeços. A renúncia à parte de mim que se posta em meu caminho.
Não coremos, não corramos – coralinemos. Abaixo o branco-e-pretinho básico que nos deixa a alma mais sobrevivente que caminhante. Eis um dia tão perfeito como qualquer outro para chutar a carcaça e brincar de sol.
7 comentários:
O paz em um paraíso de vazio...
Conheço Cora Coralina e é ótima , uma ótima inspiração ...
http://andyantunes.blogspot.com/
Muito bom ;D
legal, o conteudo é muito bom!!!
DEVEMOS UM DIA PERDER O MEDO. MAS COMO PERDER O MEDO,SE A CADA DIA QUE PASSA, APRENDEMOS MAIS UMA NOVA QUALIDADE DO MESMO???
BOA CRÔNICA NANDITA. PARABÉNS!
TEM POSTAGEM NOVA LÁ NO BLOG. PASSA LÁ:
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legal siga o meu aiii colega http://garotadoblogger17.blogspot.com/
Cora Coralina
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