terça-feira, 4 de outubro de 2011

Brejeirices

O metrô passa pela estação Praça Onze e para diante de um painel que conta a história do pandeiro (explicando aos não-nativos: Praça Onze é a estação mais próxima do Sambódromo). Fala algo sobre “ritmo brejeiro” ou coisa assim. Há quantas décadas não ouço ou leio um tal adjetivo: brejeiro. Será porque ninguém (ou pouco alguém) tem estado apto a ocupar o cargo?

Em tempos de “Aquarela do Brasil” (e antes), tudo era brejeiríssimo. As mulatas, as normalistas, o futebol, os Zés Cariocas, as canções, as namoradas. O mundo era uma grande pin-up, havia uma sensualidade bem-humorada no ar – porque brejeirice não é senão isso, bom humor romântico e sensual. Parece difícil, mas a gente do Brasil consegue num piscarzinho assim de olhos. Ao menos conseguia. Nosso atual império da deselegância, do explícito, do superlativo vem deixando o brejeiro em lastimável desuso.

Mulheres Kiwi, Abacate, Tamarindo, Seriguela não são brejeiras – não importa o tamanho do talento com que requebram no palco. Neymarismos não são brejeiros – não adianta o espetáculo de dribles que aparece em campo. Funkismos não são brejeiros – não interessa a sexualidade transparentíssima de suas “obras”. Aliás, exatamente pelo tanto de transparência. Brejeirice não é escrachada, não é evidente, não é espetaculosa. É esperta com delicadeza, é malandra com cuidado, é fagueira com doçura, rebola com graça e não com gana, brinca sem deboche, atrai sem avidez, seduz devagarinho. A arte da saliência inocente, da entrega sutil. Ponto-chave do que tem sumido de nossas prateleiras: sutil. Sutileza, a inteligência vestindo camisola de renda – atiçante e totalmente opaca.

São brejeiras as borboletas, as saias godê, as crônicas da Martha. São brejeiros o cabelo da Céu, a voz da Marisa, os sambas do Zeca, os sambas de Carmen. Dudu Nobre e a primavera são brejeiros. Camisetas de Playmobil e comerciais de pônei são brejeiros. Há brejeirice nos quadris da Shakira, nos olhos da Elisângela, no reflexo das folhas, nas risadinhas nos bebês. Não há no que é mui fluorescente ou muito cinza: nem nas gargalhadas nem nos gabinetes, nem na cerveja nem na burocracia, nem na boate nem na gravata. Mas há no forró, na tornozeleira, no bracelete, na almofada, na pinta de nascença, na sarda, na sapatilha, nos beija-flores, nos casamentos felizes. Nos casamentos felizes mais que em toda parte – que vivem só debaixo de engenho e arte.

Brejeirizar é preciso. Pôr açúcar e afeto no gesto, cortar os excessos de voz e corpo, tirar os gritos, aparar os descontroles, dosar a abordagem. Morar docemente nas entrelinhas, aberto a tudo e óbvio em nada. Ter coração com samba no pé e pé valente, breve, de bailarina. Fascinadamente pronto para o caminho que começa.

(Guardando entre risos o cálculo de onde vai terminar.)

4 comentários:

felipe leon schosler disse...

Brejeirice parece ser cousa do passado , deu lugar á "bagacerice" as bagaceiras do funk e afins dominam o lugar .
http://fleonandthecity.blogspot.com/

Gabriel Pozzi disse...

hahaha que belo texto moça!
gosto muito de ler sobre as paixões das pessoas, e não entenda aqui que estou falando sobre a paixão convencional que sentimos por uma pessoa que nos atrai, mas sim esse tipo de paixonite por detalhes, por momentos, por estilos...
posso não entender sobre brejeirice alguma, mas com um texto tão elegante para promove-la, é impossível não dizer "QUE VOLTE AS BREIJEIRICES"!! HAHAHA
e confesso que a ideia de pessoas andando na rua vestidas de pin-up me deixou animado! haushaus

não sei como conheceu meu blog, mas fiquei muito grato pela visita, pelo comentário, enfim... ^^
bjs, boa semana!!

songsweetsong.blogspot.com

Gabriel Pozzi disse...

obs: que VOLTEM* as breijerices
kkkkkkk

aline oliveira disse...

ótimo texto
escreve muito bem adorei

bjs

www.batonsepaetes.blogspot.com