Consigo conviver com jeans destruídos (desde que, obviamente, não sejam os meus – e desde que a destruição não mostre nenhuma parte que Pero Vaz pudesse apelidar de “vergonhas”). Consigo lidar numa boa com All Stars que andam por aí em cor de chumbo, embora tenham saído da fábrica etiquetados como brancos. Consigo encarar razoavelmente bem as (odiosas) saias e etcéteras balonê. Consigo até, numa prova de evolução humana, olhar com mais serenidade os acessórios de oncinha. Mas tem uma fronteira que não atravesso (além, é claro, das desprezíveis calças saruel, hors-concours que nem merecem menção): alcinhas aparecendo. Aquelas alcinhas de sutiã, sabe? aparecendo. Pode ser a lingerie mais fashion e escalafobética da Fruit de La Passion. Não adianta. Viram peças de 1,99 quando estão aparecendo. Foram feitas para aparecer – e arrasar – exclusivamente em local que não pode ser citado neste horário. Em outras circunstâncias, pagam de cafonice.
Tudo bem, sou intransigente. Nesse ponto eu faço questão. Pelo bem da sagrada elegância. Podemos estar com modelito de 25 anos atrás, roupa emprestada, doada, herdada, resgatada do Exército da Salvação; não podemos, porém, ferir a elegância, estado de espírito e estética que independe de capital. Elegância é harmonia, limpeza e fuga do desleixo. Tem maior deselegância que exibir gratuitamente a própria intimidade? Porque alcinha de sutiã é isso: intimidade. Estrutura. Bastidores. Como pegar um Mickey com a cabeça da fantasia debaixo do braço, em plena Disney. Como vender uma casa com fios e tubulações de fora – não aqueles coloridinhos para fazer charme: todos, e emaranhados. Como lançar livro com as notações vermelhas da revisão. Ir ao banheiro ou cortar as penugens da orelha de porta aberta. Uma “sinceridade” visual desnecessária e broxante.
Elegância é, também, a manutenção de uma mitologia pessoal, de uma delicada reserva, de um adequado mistério. Um hábil ocultamento de estratégias. Uma chavinha que tranca o diário. Faz parte da delícia feminina não escancarar os truques, instigar um como-ela-consegue no imaginário dos garotos (e de outras garotas). Como ela consegue sustentar esse patrimônio sem que se distinga nada além da blusa? Como ela consegue peitar esse decote sem que se adivinhe nada além da sutilíssima linha do busto? Como ela consegue guardar os detalhes opaquinhos sob o top de renda? Um plus, um a-mais, um capricho: a consideração de combinar um modelo normal com a camisa normal e um modelo nadador com a camisa nadador. A perspicácia mínima de evitar uma peça verde fluorescente debaixo da transparência. Não é preciso muito. É preciso ter a doçura do básico. A medida do simples. O respeito simples e básico à própria imagem e ao direito alheio de limpamente admirá-la.
(Parêntese 1: o que não adianta – alça de silicone. Uma hipocrisia retorcida e amarelenta. Bustiê, gente, bustiê now!)
(Parêntese 2: só para me desmentir e amofinar, tem coisa pior, sim, que a maldita alcinha aparecendo. Calcinha aparecendo. É para queimar no fogo fashion eterno, na geena dos que oferecem aos transeuntes o que, definitivamente, não é de sua conta. Oitenta chibatadas de lycra!)
Um comentário:
É um tema bem complicado mesmo, se dá confusão pra vcs mulheres, é sinal dq a coisa é bastante complexa.
Mas o negócio é ter elegância mesmo e vida que segue...
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