Pois justamente a Manu da novela das seis, de quem comentei com delícia no post anterior, esta semana se viu envolvida com a festa de aniversário da sobrinha. Em off, ouvíamos a narração que a personagem ia inserindo no blog dedicado à irmã em coma. Tocou-me um trecho que era parecido com: “Como é que se faz uma festa sem você, minha irmã? Como é possível ter um momento tão alegre, enrolar docinho, criar decoração, sem seu olhar aqui com a gente? Simples: não se faz. Porque você está aqui com a gente, dentro de tudo que realizamos”. (A autora me perdoe a livre recriação do texto, e a pior memória. Mas a ideia é essazinha mesma, sem tirar nem pôr.)
Como é que se faz aniversário, Natal, casamento, Dia das Mães, primeira manhã de escola, sem a presença de um compartilhante, sem o olhar dos amados? Não se faz. Um quer-que-seja na gente se recusa a prosseguir sem a companhia que lhe é de direito. Não temos coração que saiba ser um só. Ou nos metemos no caixão com os defuntos queridos, trocando nossas manifestações de vida pela obrigação de morte, ou (saudavelmente) optamos pelo contrário: arrastamos os defuntos vida afora, guardando-os em relicário juntinho enquanto damos seguimento às alegrias, fadigas e afazeres próprios dos respirantes. Ou nos fazemos mortos, ou fazemos nossos mortos reexistirem pelo empréstimo de nossas experiências. Ou falecemos por extensão, ou por extensão representamos os falecidos. Não posso prever minhas reações com certeza, mas me declaro simpatizante total do segundo time.
Seja como seja, nós – zumbis ou girassóis, múmias ou lamparinas – estamos impedidos de ter existência independente desde o eu te amo inaugural, pensado ou dito. Uma vez assumido o compromisso, a constatação, a mera sugestão de amor, uma vez assumido o amor em si, dá-se um revertério biológico que costura amante e amado pelo peito. Cada qual não sai de casa sem uma segunda via do outro, invisível embora. Amar é tirar automaticamente uma nossa segunda via. Há uma cópia autenticada de Manu que mora com Ana na cama do hospital, porém existe uma Ana que ri em Manu entre os beijitos da filha. Há xérox nossa dentro do filho desaparecido, do marido ausente, do pai com esclerose, da mãe enterrada. Enterramo-nos com nossos saudosos, esquecemo-nos com nossos desmemoriados, diminuímo-nos com nossos indiferentes, evaporamo-nos com nossos sumidos? Privilegiamos a falta alheia em detrimento do espaço que já, muito ocupadinhamente, ocupamos? em nós, na festa, na rua, no Natal, no dia, no mundo?
Não se faz.
Como é que se faz aniversário, Natal, casamento, Dia das Mães, primeira manhã de escola, sem a presença de um compartilhante, sem o olhar dos amados? Não se faz. Um quer-que-seja na gente se recusa a prosseguir sem a companhia que lhe é de direito. Não temos coração que saiba ser um só. Ou nos metemos no caixão com os defuntos queridos, trocando nossas manifestações de vida pela obrigação de morte, ou (saudavelmente) optamos pelo contrário: arrastamos os defuntos vida afora, guardando-os em relicário juntinho enquanto damos seguimento às alegrias, fadigas e afazeres próprios dos respirantes. Ou nos fazemos mortos, ou fazemos nossos mortos reexistirem pelo empréstimo de nossas experiências. Ou falecemos por extensão, ou por extensão representamos os falecidos. Não posso prever minhas reações com certeza, mas me declaro simpatizante total do segundo time.
Seja como seja, nós – zumbis ou girassóis, múmias ou lamparinas – estamos impedidos de ter existência independente desde o eu te amo inaugural, pensado ou dito. Uma vez assumido o compromisso, a constatação, a mera sugestão de amor, uma vez assumido o amor em si, dá-se um revertério biológico que costura amante e amado pelo peito. Cada qual não sai de casa sem uma segunda via do outro, invisível embora. Amar é tirar automaticamente uma nossa segunda via. Há uma cópia autenticada de Manu que mora com Ana na cama do hospital, porém existe uma Ana que ri em Manu entre os beijitos da filha. Há xérox nossa dentro do filho desaparecido, do marido ausente, do pai com esclerose, da mãe enterrada. Enterramo-nos com nossos saudosos, esquecemo-nos com nossos desmemoriados, diminuímo-nos com nossos indiferentes, evaporamo-nos com nossos sumidos? Privilegiamos a falta alheia em detrimento do espaço que já, muito ocupadinhamente, ocupamos? em nós, na festa, na rua, no Natal, no dia, no mundo?
Não se faz.
2 comentários:
Oi! eu estava a procura desse texto da novela das seis, e achei teu blog...me identifiquei mto com tudo que tu escreveu...tenho uma bebe de 4 meses e meu marido há 3...não está sendo fácil...pensei em tudo que tu escreveu... um beijo
meu marido há 3 faleceu...
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