Casamento da ex-vizinha de prédio
do Fábio, daquelas que só conviveram até os doze anos. A desculpa perfeita para
reconvocar velhas fitas – agora adequadamente DVDzadas – com festinhas
realizadas no play, agregando criançada de todos os apartamentos. Divertido.
Minhas, mesmo, tenho fitas poucas (ainda não convertidas), e só as de filmagem
externa contratada: primeira comunhão, quinze anos, formatura. Não havia
viv’alma no entorno que pudesse emprestar uma câmera, ou muito menos algum
Duarte com intimidade de manejá-la. Carecia não. Dificilmente eu revisitaria
minha própria infância, eu que mal posso esbarrar na reprise do Globo de ouro sem afundar perigosamente em
bagunças temporais. Mas pego carona nessa cauda de cometa, nessas festas de
outrem tão minhas contemporâneas, nesses instantes que (sem os frequentar)
partilhei em época e espírito.
Lá está a agora noiva Viviane,
botinha, trancinha, cinto de tachinha, rebolando xuxamente com a parceira de
danças – igual estrutura física à de hoje, os mesmos olhos de sorridente
ressaca. Lá está o menino mais velho do time incentivando meu cunhado
quatro-anito a enviar caretas para a filmadora, e denunciando desde sempre a
paciência com crianças que o tornaria o atual pai de família. Lá estão os
meninos muito controlados pelo pai durão, olhar comprido de quem queria brincar
mais do que consegue: nuvens familiares se formando. Lá estão meus sogros já
distribuindo cuidados e amores; ali o avô do Fábio ainda vivo, quietinho e
reservado como o neto (aparentemente) seria; acolá a priminha com meses de
vida, preparando o olhar esperto para capturar o Mickey noivo que joguei no
casamento. E o Fábio, ele próprio, ele especialmente, já anunciando numa
discussão sobre personagens: “sou mais o Tio Patinhas!”, ou descarregando na
mesa de totó a gana futebolística que lhe nascia furiosa.
Emociona-me rever essas
infâncias, não sendo as minhas embora, pelo mergulho em algumas origens e
prenúncios; pela constatação de que algumas coisas que são – parecem ter sempre
sido. Por outro lado, pulam diante dos olhos criaturas que insinuamos ser e já
não somos, estranhezas que entretanto nos pertencem, surpresas de nós para
conosco; há flagrantes de outros alguéns em nossa imagem, ali dentro alguém que
viveu em tempo específico e nos abandonou quando foi adequado, deixando-nos na ilusão
lindinha de nossas coerências. Existem alguéns em gestos imemoriais, em
brincadeiras impensadas, em danças jamais cogitadas, em gargalhadas nunca
repetidas, que em lugar algum encontraremos senão nas gravações – nas fotos,
nas amarelices de diário – traidoras do ego. Somos, sim, quem conhecemos e
decidimos; mas somos também desejos e lamentos e alegrias que num canto
qualquer se alojaram de nosso quartinho de despejo, e provavelmente não
partiram sem largar cartão de visita ou madeleine possível. Há um mapa. Há um
X. Há um raio ou shazam que lancemos, uma canção que recitemos, um cheiro que
pressintamos.
Há um play filmado, um play pressionado. E voltamos para nós.
Um comentário:
Com o clima de nostalgia se instaurando não consegui ir até o fim da postagem! Ainda não aprendi como lidar com a passagem do tempo e qualquer tipo de texto dessa natureza me dá um nó na garganta!
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