quinta-feira, 12 de julho de 2012

Atraso de vida

Fiz post outro dia comentando: que bom que há quem nos apresse. Quem careça de nós tão imediatamente, tão sem tardança que não nos reste minuto hábil para hesitações – para dar de comer aos terrores e perfeccionismos neuróticos. Maravilha. Mas há também a maravilha contrária, fundamental em pé de igualdade com a outra: que bom! que há quem nos atrase. Que existe aquela santa criatura do mesmo modo predisposta a barrar-nos a onipotência, confiscar-nos o cetro, meter-nos ingerência nos desesperos inúteis. Para o rápido e para o devagar, receber golpe de estado é nossa fantasia de estimação.

Bateu o insight quando me peguei atrás da senhorinha mais zen da galáxia, numa escada rolante de shopping – esta aqui que vos fala, como sempre, tinindo de pressa nervosa. Não havia espaço razoável de ultrapassagem, nem a avozita parecia minimamente inclinada a acelerar a chegada contribuindo com passos próprios (como, aliás, é justo que seja, uma vez se tratando de engenhoca concebida para nos substituir o trabalho das pernas; isso de somar nosso esforço ao da máquina é direitinho coisa de citadino psicótico). Eu que fiz? Faleci por culpa de seis ou sete microssegundos? Cortei os pulsos com a rebarba metálica do degrau? Atirei-me dali mesmo para esquecer a desgraça de não poder cortar caminho pela vovó passeante? Prova que não: estar eu aqui, corada e sã, relatando o caso. Sobrevivi e bem sobrevivida, lá no fundinho satisfeita de alguém atirar no Mr. Hyde que os ansiosos trazemos por dentro – o bicho eternamente prestes a azedar os dias azuis com ressacas de adrenalina.      

Na semana do Rio+20 foram as passeatas. Ah, as passeatas! tantas e tão constantes que mergulharam as idas e voltas de trânsito em extraordinário caos. Minha colega de trabalho teve quase orgasmo múltiplo de ser forçada a chegar tardíssimo para a aula, refém do nó entre a Marcha dos Esquimós contra o Efeito Estufa e o Bloco das Recepcionistas pelo Direito à Minissaia (não googlem). Assim o usuário que perde o metrô incapaz de espera, e daí a meio minuto liga adiando a revisão no dentista. Assim o escalado para o serão no escritório, a quem o destino libera da DR caseira. Assim o universitário que não consegue matrícula num ano por burocracia interna, e adentra justo a turma na qual sorri a futura parceira de bodas de prata. Assim o adolescente brecado pela mãe de ir pra escola sem café da manhã decente – adolescente este que, saísse 30 segundos antes, teria pego o ônibus sem o cartaz que lhe deu epifania profissional. Assim todos; todos que por causa de alheias demoras, de impensados obstáculos, de incontroláveis pedregulhos se veem tão subitamente libertos, isentos, repousados, abonados, perdoados. Todos que acham felicidade imediata ou tardia naquilo que nos aborda antipático, com ares de minissequestro.

O paraíso também são os outros.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

A frase final foi a cereja do sundae. O paraíso também são os outros! A propósito, se fosse eu, acho que a senhora idosa deveria temer pela integridade física ou psíquica.