terça-feira, 1 de setembro de 2020

O toque

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Fiquei sabendo de um documentário brasileiro em curta-metragem lançado em 2018, a que infelizmente ainda não cheguei a assistir, mas que me pescou desde logo pelo título: Mais triste que chuva num recreio de colégio. As comparações e suas irmãs metáforas me enredam sempre em suas mãozinhas ricas, expressivas – e nem preciso dizer que essa imagem desoladora do aluno que está doido para sacudir as asas dormentes de sala de aula, porém se dá conta de que o toró no pátio acabou de enlamear os planos de futebol e correria, bateu fundo n'alma; acredito bata fundo no coração de qualquer um que ainda o tenha. Comparações, metáforas, analogias, parábolas & família são talvez o que existe de mais humano na pedagogia do texto. São, afinal, fraternidades de ideias; são irmanações, são mostras linguísticas de que tudo no mundo é laço, tudo é conectado, tudo é conectivo; toda noção e emoção é mais traduzível em forma de um concreto que evoca e afeta do que em forma de abstrato que declara e conceitua. O humano carece sobretudo ser tocado, e a comparação o toca, enquanto a definição apenas o sobrevoa. Comparações apelam à pele, à memória do sentido, do ouvido, do olfato; trazem conteúdo e ainda vêm de poesia na garupa, vindo portanto com a ultimate didática. Quem tem poesia no olho está acostumado a costurar tudo em tudo: químicas, físicas, histórias, filosofias viram cores da mesma trama, notas da mesma pauta, braços da mesma lógica.

Mais triste que chuva num recreio de colégio. Mais empolgante que sol na manhã de sábado. Mais loroteiro que mãe jurando comprar na volta. Mais fantástico que amigo imaginário de unicórnio. Mais comprido que colarinho de girafa. Mais fofo que cochilo de lontra. Mais divertido que encontro de primo. Mais desmotivante que palestra motivacional. Mais aterrorizante que barata desaparecida. Mais aparecido que trilha de novela. Mais esburacado que camiseta de aranha. Mais escuro que o closet do Batman. Mais paciente que cirurgião de formiga. Mais contente que criança com quindim. Mais perfumado que estrear caderno. Mais estúpido que falsificar nota de dois. Mais inútil que dar cueca pro Pato Donald. Mais difícil que achar o Wally na torcida da Croácia. 

Mais absurdo que live de vampiro. Mais sofrido que o tênis do Sonic. Mais desmoralizado que o prazo do Seu Madruga. Mais doido que madrugada de gato. Mais grudado que encomenda em Curitiba. Mais crescido que olho de mangá. Mais definitivo que pote de sorvete. Mais solitário que bombom Caribe. Mais azul que líquido de comercial de absorvente. Mais ligeiro que o cara do este-medicamento-é-contraindicado-em-caso-de-suspeita-de-dengue. Mais desnecessário que o carro dos Flintstones. Mais urgente que backup de TCC. Mais repetitivo que enxoval de trigêmeos. Mais inconveniente que se pintar de Hulk pro jogo do Corinthians. Mais incômodo que entrar de salto 15 no chiqueiro. Mais babadeiro que grampear telefone no Congresso.

Comparações viciam sim, feito A coisa dos filmes antigos (opa!), que vinha borbulhando pelas frestas e depois dominava o bagulho todo. Chegam como figurinhas avulsas, as danadas, em qualquer intervalo de evento, num estalo de conversa, num clique banhado a chuveiro – chegam sem número pro álbum, bagunçadas e sortidas. Ternas, infantis, mais cheirosas que restaurante de beija-flor. Na eventualidade de ser adotado por algumas, chame-as para o dentro da casa, alimente-as, permita-lhes dormir quentinhas numa dobra de texto: é jeito infalível de plantar vida ao redor do que há de cimento na argumentação.

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