Fui assistir a Moonrise kingdom. Esquisitamente fofo.
Tem toda a bizarrice poética da filmografia de Wes Anderson (Os excêntricos Tenenbaums, A vida marinha com Steve Zissou e demais
estranhezas coloridas), porém não transborda: coloca seu exotismo a serviço da
história de amor bonitinha entre um escoteiro órfão e uma leitora depressiva –
dois desajustados sociais de 12 anos, problematizados, impopulares, que só
mutuamente fazem sentido. Sam e Suzy fogem de seus núcleos, porque fugir é a chance
inteligível a corações de 12 anos, limpos de quase toda convenção. Mas uma das
cenas mais tocantes acaba sendo aquela em que um casal já exageradamente adulto
suspira sua vontade e impossibilidade de fugir. Ela (que, por sinal, tem um caso
de anos com o policial vivido por Bruce Willis) faz um pedido de desculpas ao
marido. Ele pergunta por qual ferida ela está se desculpando. A mulher devolve
com a fala mais precisa do roteiro, apesar da aparente vaguidão: “Por todas as
que ainda estiverem abertas”.
Porque há sempre as ainda
abertas. Não sabemos, mas existem os que muito grandemente não nos perdoaram pela
implicância feita nos idos da sexta série, de onde veio o apelido (odiento) até
hoje arrastado. Ignoramos, mas moram na esquina de nossa mesa no trabalho os
que tão magoadamente nos olham pela indiferença até hoje insinuada.
Desconhecemos, mas andamos produzindo alunos até hoje ressentidos da resposta; irmãos
até agora emburrados de ciúmes; filhos até recentemente transtornados de injustiças
engolidas; amores até então desgostosos das críticas distraídas. Impossível
irmos vida afora sem arranharmos lataria alguma, sem danificarmos qualquer
suscetibilidade num esbarrão de TPM, sem quebrarmos nenhuma vidraça numa
escorregada de banana, num tom que saiu mais áspero que a encomenda, num
adjetivo que foi menos feliz que a intenção, numa ausência cujo peso
subestimamos pela própria modéstia. Quase impossível, pois, não termos largado
aí no mundão uma hemorragia ainda ativa, filha nossa – filha não menos legítima
que as herdeiras da crueldade calculada.
E por isso nos desculpemos.
Ocasionalmente. Não custa fazer, de tempos em tempos, essa dedetização dos
erros involuntários, que foram dar cria em ninhos desconhecidos. Não custa
desbaratizar as mágoas que, sem querer, semeamos em terreno perigosamente
fértil, dado a agonias profundas. Querida, perdoe pelas confissões incertamente
sinceras acerca de seu peso; querido, releve as bufadas de paciência
irrefreável que escaparam durante o futebol; colega, desconsidere qualquer
dureza que se mesclou, indevida, ao feedback do projeto; amigão, esqueça todo
comentário pontiagudo que eu venha a ter parido por ignorância. Desculpe a
falha. Desculpe a fala. Desculpe a falta. Desculpe o gesto. Desculpe o gosto. O
mau gosto. A sugestão. A opinião. A zoação. Com ou sem intenção.
De coração.
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