Curto montão as irmãs Brontë –
Charlotte, Emily e Anne. Desta última, menos conhecida que as respectivas
autoras de Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes, já li A preceptora e, agora, ando às voltas
com o interessante A moradora de Wildfell
Hall. É história, avançadíssima para a época, de uma Helen que precisou
escapulir do marido narcisista, moralmente assediador, libertino e alcoólatra a
fim de proteger a integridade própria e do filhito. Feito um Dormindo com o inimigo com mais
espartilhos, bochechas de bebê e sofisticação emocional.
Helen casou-se apaixonada até a
borda da medula, entre as fagulhas do primeiro amor e o nojo de seus outros
pretendentes – um maçante, o outro velhamente devasso. Ficou, pois, cega às já
manifestas inconveniências do caráter de Arthur, ou antes: dormiu na fantasia de
que ela sozinha teria pureza pelos dois. Lascou-se, é óbvio. Lá pelas tantas do
livro, derramou em seu diário as agonias do casamento unilateral: “Ainda o amo;
e ele me ama, de seu próprio jeito – mas, oh!, quão diferente é o amor que eu
poderia ter dado e que, uma vez, esperei receber! Quão pouca real simpatia
existe entre nós dois; quantos dos meus pensamentos e sentimentos são
tristemente enclausurados em minha mente; quanto do melhor e do mais superior
de mim está, de fato, descasada [...]!”.
Descasados somos todos, quando a
festa acaba depois dos bem-casados. Quando o casal existe socialmente, combina
socialmente, brilha socialmente, substitui a necessária intimidade pelo
entendimento físico (que, aliás, não seria difícil manter com um milhão de diferentes
membros do sexo oposto), e entretanto permanece como que virgem um do outro.
São absolutamente solteiros os indivíduos impermeáveis ao interesse alheio,
incapazes de mergulho em outra psiquê e mesmo incapazes do reconhecimento de outra psiquê. São absurdamente incasáveis as
criaturas que, em dupla, conservam-se ainda na antiga unidade; que se enamoram
de nascença pela beleza das próprias vontades e a elas fidelizam-se, infinito
adentro. São insomáveis as pessoas que já perfazem mentalmente um inteiro; que
tendem a transbordar esse inteiro – perfeito que é – em cima de pobres seres
não habitados, potenciais colônias suas. São inexpugnáveis, para efeitos de
casamento, os que em si se saciaram de toda chance de deslumbre, os que em si
se embebedaram de toda existente personalidade, os que em si se descobriram
fonte de toda ciência. Solteiros, viúvos, divorciados, celibatários definitivos
independem de estado civil: moram em todo coração onde só tem um prato na pia.
Que nem sempre lavam.
São vazios de possibilidade conjugal os que só em primeira pessoa de excessivo singular se conjugam.
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