Suspeitar que não existem cores, flores, frutas, nomes, quadros, livros, animais suficientes no mundo.
Precisar escrever coisas dum universo emocional e estar, por motivos de vida, imersa em outro.
Ter a sede táctil de amimar bichinhos alheios, mas também o horror de soar descabida a seus tutores.
Conferir desesperante os números lotéricos.
Estar sujeita à contingência de um semestre sem caquis.
Estar sempre atrasada. Sempre, sempre, fatidicamente atrasada.
Vez por outra intuir que o mundo (nem falo do coletivo) descarrilou para um túnel de irrealidades, para uma versão farsesca da rotina, e necessitar seguir sob muitos olhos a rotina farsante enquanto a alma ainda não imergiu da vertigem para a tona.
Não poder sonhar felicidades pagas em dinheiro gordo.
Não poder tomar nos braços os personagens queridos, e apertá-los no peito até quase unificar os pulsos, e deitá-los no colo e correr-lhes os dedos nos cabelos adormecendo-os na entranhada certeza de serem amados.
Não poder ter a memória de tudo que já foi ontem. Sentir pedaços da vida tão desgarrados como se nunca.
Andar com a sincera desnoção de todos os ditos e reditos.
Encontrar pela casa os insetinhos roliços, de lentidão agoniante, que atacam mesmo em plena validade os saquitos de chá.
(Achar, aliás, qualquer insetinho não visitador eventual, e sim – porque residente – testemunho de alguma decadência.)
Ver ficções queridas serem forçadas à continuação, por consequência sermos também forçados a um reinvestimento emocional infinito – quando nós e elas só queríamos, plácidos, nos amar em tranquila aposentadoria.
Ver o dia clarear. Demorem-se mais, madrugadas livres!
Ter dor de cabeça de novo, de novo, de novo, por querer bem demais ao silêncio das madrugadas.
Não acabar de ver a lua antes que ela se suma, ligeira em excesso.
Morar num sono perene para tudo que é processo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário