terça-feira, 18 de janeiro de 2022

A hora do pesadelo


Sonho muito (no sentido do delírio inconsciente mesmo, não no da querência) com imóveis que não são meus nem nunca foram, mas que no sonho são, e tanto têm um quê de esquisitamente familiar como representam um susto: então é aqui que estou morando agora? Outro dia passeei com tão longos detalhes numa casa em que oniricamente residia – visitei tantos cômodos bizarros, ora envidraçados aos pés da praia, ora entremeados por pequenos pátios decadentes semelhantes a depósitos, ora escondiditos em forma de sótãos que aparecem quando precisamos de guardadouros –, que acordei francamente tonta, geograficamente desorganizada, sem lembrar as minúcias de onde o eu-daqui residia. Tem isso e tem versões mais perturbadoras: releituras da moradia atual ou da anterior, quase sempre traspassadas por um de meus pesadelos maiores, que é a privacidade devassada. Com frequência as janelas surgem excessivamente próximas do mundo exterior, ou a rua vira uma espécie de quintal do imóvel, ou transeuntes têm acesso a alguma parte dele por se conectar com determinada loja, ou irrompem visitas que não sei donde chegaram, ou se passa algum evento bisonho com participação de gente desconhecida... Eu, a rainha do retiro e do encapsulamento doméstico (que já me sinto profundamente desconfortável até se um vizinho está visível da janela, quanto mais se há presenças de fora em meu recesso sacrossanto), fico louca; pra que fantasmas e demais assombrações, se já conto com manifestações tão porretas de terror noturno?

Outro horror dos horrores que VIVO sonhando: estar devendo alguma disciplina no ensino médio ou no superior e precisar voltar. Não que meus tempos de escola e de facul tenham sido plúmbeos (adoro plúmbeos), longe disso, mas olha pra mim, baby – PELAMOR; cê acha mesmo que eu estaria remotamente no clima de voltar um passo atrás, no que quer que fosse da vida pessoal? MAR NUNQUINHA. Me dá um negócio agoniento de pensar que, nesses sonhos, estou eternamente desinformada do que acontece na aula, aturdida, última-horing descobridora de que tem um trabalho pramanhã que foi passado na primeira semana. Pode ser prova também, invariavelmente de Matemática, Geografia (não sei por que Geografia) ou qualquer matéria cujo professor não conheço, a cujas aulas não assisti jamé. Olha: sufoco, viu. Fui uma boa aluna no universo acordado, ignoro o motivo de ter essa caveira de burro enterrada nas memórias acadêmicas.

Não menos importantemente, há os subsonhos atrozes de banheiro, em geral posicionados nos momentos do sonho principal em que devemos vida-realmente ir ao cujo. No pesadelo, porém, é quase impossível conseguirmos – e é bom, por motivos óbvios, que assim seja –, mas precisava aparecer esse tanto de banheiro horrrrrrendo durante a busca onírica? Às vezes são apenas durões de encontrar e vêm com muita fila, só que em outras o reservado chega a ser acessado e é simplesmente INFECTO, minúsculo, com lixeira e vaso nojentos e logística impossível. Ou então volta o perrengue da privacidade invadida e brotam configurações esdrúxulas de banheiro: sem divisórias, com gente entrando e desentrando no quadrado duzoto, o próprio inferno dos introvertidos. Era talvez necessária essa mixórdia toda para gostarmos de acordar, suponho – e olhem que comigo funciona, já que durmo desde sempre não por boniteza e sim por percisão, como diria Rosa. Verdade que é melhor despertar no varejo, espantando os delírios absurdos, do que no atacado, entrando na consciência do tudão a ser feito no dia;

(mas antes ter compras aguardantes que uma prova de Geografia.)

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