terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Sobre o cujo


Um meu superqueridão comentou, na rede social, que a mãe sempre o aconselhou a não falar nada sobre a morte daqueles a respeito dos quais não há nada de bom a dizer. Acho um conselho fabulosamente elegante; puxo aqui de empréstimo e vou procurar segui-lo em termos, já que frequentemente existe muito a dizer inclusive do que convém não ser dito.

Primeiro, não usarei da hipocrisia de declarar que lamento; seria estapafúrdio lamentar a mudez de quem, falando, plantou a desinformação mais disparatada, mais incongruente, mais letal entre seus seguidores. Mas não afirmarei tampouco que comemoro – não em respeito ao morto e sim a mim; estou isenta de qualquer emoção a ser disponibilizada para o indivíduo em questão, mesmo de contentamento, porque seria muito forte me atribuir algum contentamento vindo dele. Eu lhe dedico indiferença (parcial, reconheço, por ser uma indiferença que escreve para declarar-se), e dedico pena não a ele, adultíssimo e privilegiado o bastante para se exercitar na maldade por escolha própria, mas pena de que haja criaturas a fazer essa escolha. Um réquiem para as sanidades e consciências que DESEJAM se perder no caminho.

Também sem propriamente comemorar, direi que é uma morte educativa. Não se trata de urubuzar "morra de covid, morra, seu antivax!", mesmo porque francamente desnecessário; um antivax idoso, fumante, com problemas de saúde pregressos se encaminha de maneira voluntária para qual destino? É, portanto, apenas um CQD (como queríamos demonstrar) matemático, útil ao emprego de todos os pró-vacineiros que contarão com o exemplo icônico dos icônicos. Qual a precisão de a gente perder tempo com textão citando lei do retorno, vingança, justiça cósmica e outras gigantices de tragédia grega, se basta fazer o gesto conjunto de mão e testa – o velho gesto em que a testa franze, a sobrancelha se ergue, os olhos se mais-abrem e a mão mostra sua palma, num sentido geral de "pronto, é lógico, taí a consequência, esperava o quê?" Atenho-me então ao gesto que podem me imaginar fazendo; é eloquente o bastante para discorrer, sem queima de calorias tripudiantes sobre o defunto, a respeito de fatos e seus efeitos. Nem carecemos de revanchismo: temos ciência.

E muito mais não digo; somente que, a todos os amigos e familiares não negacionistas das vítimas da covid e da ignorância, mando meus mais potentes sentimentos. E espero que a alma do falecido de hoje encontre seu lugar.

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