Um Skank antiguinho soando na
rua, sempre a propósito: “Ficou pra trás também o que nos juntou”. Opa, o
coração rebolou-me. Rebelou-se. Como é que o que junta dois transeuntes deste
mundo imensão – dois específicos num universo de aleatórios, dois sins num
coletivo de nãos – apenas fica para trás, apenas se dissolve na negativa,
apenas morre em vala indigente? Como é que o que existiu tanto, o que certa vez
preencheu uma dupla de criaturas, o que foi raio estrela luar iaiá ioiô na vida
de dois CPFs, de repente inexiste feito mágica retroativa? Nah. Descreio por
princípio em paraíso evaporável. Não acredito em bem que tenha deixado de haver
por desistência nossa.
Não acredito que a vontade brutal
de dançar noites a fio, aquela vontade descoberta na primeira festa do primeiro
encontro, aquela vontade comum de dançar e dançar e dançar que uniu duas
rotinas desacompanhadas – não acredito que essa vontade furiosa tenha erguido
uma relação e, meia década depois, se desfeito na atmosfera. Não acredito que a
admiração violenta ao jeito de o outro segurar nenê, plantar jasmim, fazer
trança, distrair cachorro, distrair sobrinho, tenha grudado duas realidades
para depois ser arrancada do calendário. Não acredito que a cor de mel intransferível
do olho dele, a quebrada de corpo irreprodutível da ginga dela, a doçura estranha
dele cantando Chico, a força iluminada dela defendendo alheios, tenha tão
palpavelmente sido escutada e vista, sorvida e presenciada, para depois ser pó
e ao pó voltar. Não acredito no que era um tudo enorme e desceu pela pia como
se não. Não acredito no que não era vidro e se quebrou.
Acredito que fica. Que se pode
não querer, que se pode ter fantasia de reescrever passados e verdades – mas,
bem ou malgrado nosso, fica. De tudo fica não um pouco, como diria Drummond; fica
o tudo inteiro, ainda que enjeitado por nossa escolha ressentida. Fica, se não
fingida (porque aqui não falo de amores farsantes), a ternura do perfume
original, a comoção do diálogo xis
mentalmente repetido, a lindeza da tarde xis
mentalmente reencenada. Fica, marcada a fogo, a impressão inaugural; fica o
respeito amoroso ao caráter que já se tomou por referência; fica, mesmo entre
decepção, a memória indelével do primeiro link, e fica guardado o primeiro
arrepio nalguma funda caixinha. Não fica para trás a parte que fomos, arquivada
à revelia. Não fica para trás o tijolo da base, não fica para trás o componente
do motor, não fica para trás a pedra angular que inevitavelmente nos pariu no
formato de hoje. O que doeu com alegria, o que assinalou com brasa, o que nos
fez cicatriz de flechada, o que nos subiu a pressão, o que nos definiu como
desejantes, o que nos revelou quem seriam os desejados, o que nos desbastou e
limou toda possível aresta: não fica para trás de nós, pois que é cartão de
visita de nós. É-nos.
O que nos ensina nos representa.
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