“A competição torna as mulheres
óbvias”, reza uma interessante fala da Pantera
Cor-de-Rosa original. Eu ampliaria: a competição nos torna, a todos,
animais óbvios. Não existe sincera originalidade na ânsia da derrubada. Por
mais hábeis que se queiram os estratagemas, por mais enredantes, por mais
intrincados, são sempre e unicamente os mesmos, antigos como chover de cima
para baixo. Querer ser ou parecer melhores é o esperado, é o previsível. É a
mola que nos faz uma turba de clichês respirantes.
Em nome da má e velha competição,
senhoritas mutilam-se organicamente – cortando-se, preenchendo-se,
esfaimando-se desde que o mundo é mundo, e só evoluindo na ciência da tortura. Em
nome dos primeiríssimos lugares, atletas profissas se vergam, quebram, torcem,
forçam, dopam, sabotam-se de dor e estresse, respondem a sabidas provocações
com sabidas outras; vão nas mesmas perseguições de rivais e intentos, nos
mesmos discursos pseudo-olímpicos, na mesma culpabilite aguda dos treinadores,
na mesma milenar revolta contra os árbitros. Em nome do mais gordo espaço na
mídia, mulheres ricas cabeceiam-se em declarações de eterna cretinice, estrelas
e subestrelas tiram eternas fotos em eternos castelos famigerados, repetem
frases eternamente de efeito, sorriem poses eternas. BBBs, que tédio supremo:
em nome dos milhões sempre maiores e sempre iguais, cometem sempre iguais
tolices, tropeçam em panelas iguais, teatros iguais, velhos adágios, velhas
mesquinharias. Estão todos ininterruptamente sendo, ó cansaço: mais espertos, mais
fortes, mais resistentes, mais potentes, mais up to date, mais belos, mais magros, mais milionários. Um mundo de
super-heróis dando rasteiras, de coiotes lançando alfinetadas. Um inferno com
fraldas de jardim da infância.
Moderno, fresco e novo, de fato e
de direito, é o clima inédito de não-competição. Quebra a banca. Ninguém nos
espera magnânimos, ninguém à primeira vista nos supõe desapegados; bondade
gratuita, tranquilidade indiferente é susto. Sabe os reais lançadores de tendência?
Os que recusam a promoção no trabalho porque a vida está megaboa assim, as que
revelam com alegria o nome daquele
perfume, os que congratulam o primo pela vitória do time dele sobre o seu
próprio, as que riem divertidíssimas do vestido clonado na festa. Os que largam
tudo para servir no Haiti, mesmo que o pai os vá considerar fracassados perante
o irmão engenheiro; as que torcem secretamente que seu ex, tão bacana, enfim se
entenda com a melhor amiga. Os que divulgam a receita secreta, o telefone do
psiquiatra, as façanhas do colega de equipe, a estratégia (vitoriosa) do companheiro de
time, o número da certidão e do manequim, a bobagem levemente pensada, a gafe
quase cometida. Os docemente loucos – dessa loucura que é não desejar esmagar
um só humano como uva de vinícola. Os livres. Os livres de coração em relação à
desconfiança compulsória, que não é mais do que ego obeso da impressão de o
mundo in-tei-ro! querer ser exatamente vocezinho.
Bem-aventurados os desencanados: eles possuirão a terra. E não estão nem aí.
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