“Quero um dia para chorar./ Mas a
vida vai tão depressa!” – escreve Cecília Meireles em doçura e lamento,
resumindo-nos todos. Eu também, Cecília. A vida vai tão angustiosamente
depressa quando não escolhemos o tempo; quando o recebemos empacotado de
afazerinhos e afazerões que, sem pergunta nem paixão nem verdadeira posse, lhe
calharam. A vida vai tão depressa quando os meses passam a se amontoar, os
doze, nos arredores do Natal; quando as semanas escorrem gêmeas a ponto de não
se distinguir o dia vivido no início desta do experimentado no final da
retrasada, a ponto de não se recordar o último filme, os fatos do último filme,
o período que nos separa do último filme. A vida vai tão depressa. Quanto mais
preenchida a manhã, quanto maior a são silvestre de cada 24 horas, quanto mais
acarpetada de tarefas a agenda que parece estufar por conta própria – menos o
tempo rende, menos brota, menos
oferece. Quanto mais há no tempo, menos tempo há, digno e lembrável como se
precisa. A vida vai tão, tão, tão depressa em suas urgências (que crescem
quando atendidas), vai tão corrida em suas ocorrências, vai tão afoita em suas
importâncias, que só se deixa possuir inteira naqueles segundinhos em que nos
passa diante dos olhos, agarrada a nós pela ameaça de virar o seu contrário. A
vida anda besta, anda vaidosa, anda prosa demais de si mesma, crendo-se eterna
feito poesia.
É por isso que quero um dia.
Quero um dia desagendado,
desorário, um dia-bônus, um dia inexistente; um 30 de fevereiro, um 45 de
março, um 82 de julho que desabe sem querer na folhinha, que a gente perceba
mas seja impegável pelo trabalho, inquantificável pelos boletos de conta,
indescobrível para efeitos de prazo, imponderável por compromissos de toda
sorte. Inclassificavelmente imprevisível. Quero esse dia livre, livre para
carpir a vida sem telefones; quero o dia de solidões opcionais, sem nariz
torcido de aluno nem obrigação de novela. Um dia sem jornais. Um dia sem capítulos.
O dia-mar no qual se lembra de cheirar e tocar a vida como ser presente que é,
não o quiabo que finge estar sendo. O dia sem notícias no qual se sofre à larga
pelas notícias constantes e anteriores, o dia em que a gente não precisa virar
a cara por não ter tempo, o dia de 9 mil horas no qual se tem todo o tempo suposto,
renovável por igual período. O dia sem pragmática, psicodélico para os que
quiserem, árcade para os que assim o desejarem; o dia sem vontade de sumir nem
morrer, porque ele mesmo já é brincadeira de morte e sumiço; o dia sem
aspirador, dia sem louça, dia sem Omo Progress, dia com salário próprio, dia no
qual todos os restaurantes estão disponíveis. Quero um dia com inacabáveis
horas para fazer tantas necessárias listas, ou dia sem listas necessárias para
todo o lindo sempre. Quero um dia com outros assim posteriores dias, e outro e
outro, até um diferente dia seguinte desistir de haver. Até um diferente dia
seguinte abdicar, por cansaço, de atas e assinaturas e despertadores. Quero um
dia humilde de suas horas infindas, um dia que mesmo intérmino não fique prosa
de ir além do dia.
Um dia-poesia.
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