Concordar
que os outros voem: há nada mais difícil? Deixá-los voar, em nosso coraçãozinho
doente mas compreensível, significa nos fazermos desnecessários, e todos sabem
que não queremos realmente cumprir a missão: queremos tê-la. Se filhos, amigos,
parceiros ganham tutano de voar sozinhos, automaticamente viramos nós os
desacompanhados, os que esperam no ninho, os que já fizeram o serviço e precisam
de novo mote para a agenda, os que devem buscar nova história, os que receberão
as novidades ao mesmo tempo que os ilustres conhecidos e não mais com o selo
VIP da primeira mão. Não é tranquilo admitir, não é bonitinho nem fica bem no
currículo – mas há preguiça em muito de nossa generosidade, já que é frequente
nos ancorarmos e escorarmos na dependência alheia por total cansaço de
descobrir o que mais nos chama.
Quando
professores, temos sim alguma dor de ver os ex-alunos caríssimos falarem de
seus professores mais atuais, ainda que no nível seguinte, ainda que na
faculdade – porque um trechinho possessivo de nós os deseja nossos eternos
protegidos, nossos apegadinhos, mergulhados em dúvidas que ajudamos a sanar,
recém-inaugurados no caminho que lhes começamos a abrir. Quando confidentes, sentimos
carinhoso ciúme de pilhar nossos aconselhados finalmente bem, finalmente livres
dos tormentos velhos, pois com os tormentos velhos parece que vai embora a carência
de nós, rompe-se o preciso laço que nos unia. Quando pais, ó céus! eu que não
sou mãe apenas suspeito da orfandade vivida em se encerrando nossa onipotência.
Ainda ontem cortávamos o bife para o Asdrubalzinho, ainda na semana passada
éramos só nós que sabíamos compor a trança da Godofredinha, ainda este mês
nosso sanduíche era o único que prestava na hora da merenda, nossa leitura
pré-sono era a única que fazia direito as vozes das princesas; em que momento e
com que licença essas criaturas, que não sabiam colar um band-aid, resolveram
viajar com os Médicos sem Fronteiras? em qual esquina deixamos de ser
fundamentais para passar a roupa daqueles seres que agora morarão sozinhos – em
Amsterdam? em que instante ficamos descartáveis? limitados? mortais? humanos?
comuns?
Sim,
nosso amor racional quer que os amados se ampliem, se curem, se joguem no mesmo
imenso azul que ambicionamos, ótimos e estáveis. Mas nossa imitação 1,99 de amor
– versão pirata, de bateria mole, parasita e grudenta – não quer celebrar
sucessos, quer simplesmente guardar o outro em sua fraqueza que nos engrandece
por comparação, ou que nos reclama por necessidade. Não significa que sejamos
monstros horríveis; quer dizer meramente que talvez não sejam (apenas) nossos
amadinhos os carecidos de ajuda. Se chegamos a ser visgo e não trampolim, se
nosso impulso é esconder e não encorajar, se somos chantagem em vez de clareza,
problemas na área. Possivelmente somos nós tão prisioneiros quanto
aprisionadores, e nós os mais precisados de consulta, mesmo que não estejamos
empalhando passarinhos no Bates Motel.
O amor,
por natureza, é leve. Não afoga, não tolhe, não prende, não pesa com a
presença. Se principia a dar dor nas costas é porque existem tumores e temores
para remoção.
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