Victor
Hugo disse que “a verdade é como o Sol. Ela permite-nos ver tudo, mas não deixa
que a olhemos”. Poucas vezes vi definição tão linda e economicamente precisa,
porque, em tempos de fragmentações exageradas e quase doentias relativizações,
engatou-se a mania terrível de desacreditar o verdadeiro, apenas por não se
conseguir captá-lo no meio da geral loucura. Pois não vamos captá-lo mesmo, ao
menos assim, integral e totalmente nosso; não vamos captá-lo porque a verdade
não é a gambiarra universal, o canivete suíço que para tudo serve e em tudo se
encaixa. A verdade não é a resposta única, que por enquanto não nos cabe, ou
não cabe em nós – mas é o farol de quantas respostas certas existirem, dela
vindas e nela espelhadas. Feito a viagem em que não acharemos nunca todas as
bonitezas reunidas num só lugar: a verdade não é cada destino. A verdade é o
passaporte.
Quando
nos espojamos na sala a montar um quebra-cabeça de mil e oitocentas peças com
todos os filhos e sobrinhos, a verdade não é cada pecinha: é a lâmpada. Quando
há bafão na reunião de condomínio e um alega –X, e o outro responde +Y, a verdade
não está sozinha em nenhuma das parcelas: está na conciliação. Quando se põe em
dúvida a condição vitimada da vítima e se insinua que o crime não foi somente
do criminoso, a verdade berra de cima, de sua cadeira de lifeguard: não, não,
não! fator algum se sobrepõe ao direito à vida física e emocional, e esse
holofote supremo apaga todos os “mas” e “poréns”. A verdade não mora em cada
sótão de coração humano; mora na faxina que os escarafuncha, na claridade que
deixa nuas as dores e as sordidezes, na dedetização que evoca baratas e ratos
de suas tocas, na lupa que flagra os cupins, na intuição amorosa que descobre
as cartas há tanto amarradas com fita de seda. A verdade não é o que vê nem é o
visto: é o que faz ver, o que varre, escancara, franqueia, ilumina. Procurá-la
não é bem o caso; obedecer-lhe é que é preciso.
Verdade
e amor não se entregam como resultado porque desde o início já eram a
motivação.
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