É a expressão engraçadíssima que
os dois últimos textos me evocaram. “O trânsito segue parado”, afirmam com
seriedade de paletó os apresentadores do jornal. Homessa. Se o trânsito segue, como é que está parado?! Coisas
de quem acalenta aqueles terminhos da moda, que têm a dupla função de
“sofisticar” e de atenuar a linguagem. Vê lá se o tráfego vai continuar ou permanecer, quando mesmo inandável ele pode seguir. Uns carros que
seguem parados estão muitíssimo menos parados.
Pessoas, porém – como umas tais
que mencionei no post anterior –, podem (im)perfeitamente seguir paradas. Envelhecem,
conforme antes falei, tão-somente porque o tempo passa teimoso, cismando de
velhar as criaturas. Seguem: segunda, terça, quarta, fevereiro, outubro,
dezembro, 2012, 2013, 2028; seguem empurradas, atrambolhadas, resignadas,
contrariadas, mas lá vão elas. Cronologicamente em frente. Por dentro, no
entanto (se formos cair na esparrela de averiguar essas casas assombradas de
final de rua), por dentro são tudo teias, imobilidade e espanto. Não sentiram o
correr da folhinha mais do que como incidente externo. Não acompanharam de
necessárias dores e bons sustos os anos que deveriam ter gasto em aprendências. Não
se afetaram. Não evoluíram.
Os que seguem parados esquecem
com absurda facilidade a campanha de não fazer xixi na rua, aiaiai, porque
ainda estão chafurdados no id purinho dos primeiros anos e permanecem mera
urgência, sem leis superegas. Os que seguem parados não compreendem nem por
encíclica papal que é feeeeio furar fila, puxar cabelo de guria na boate,
oferecer uma brahmita pro guarda, tacar o calouro na lixeira, pichar o muro do
vizinho que tomou a bola, espalhar boato desmoralizante da vizinha que
desembarcou no prédio, manter-se com fingido sono no assento preferencial do
metrô – porque congelaram no excessivo primitivismo de suas cavernas; o máximo
do empedernido, isolado e impermeável a contato humano. Os que seguem parados,
por preguiça de desenvolver-se, coitadizam-se: procuram inspirar piedade para
suprir o hábito não amadurecido de matar a própria fome. Os que seguem parados
são parasitas, porque não chegam a ter idade adulta para chamar de sua; são
aborrecidos, porque não se abrem à sofisticação da leitura, do cinema, de
outras artes e respectivos universos; são mimados, porque se acostumam a viver
sem levantar o traseiro psicológico da cadeira; são ranzinzas, porque miram o
planeta como algo que lhes demanda o supremíssimo esforço de existir entre
coisas incômodas – verruga, chuvisco, guarda-chuvisco, espinha de peixe, cachorro,
areia. São sobretudo infelizes, grande e abertamente infelizes, como todos os muito
aparentados do imobilismo maior e último.
Os fracos, só, engarrafam e buzinam no tempo. Os demais desembrulham as asas.
2 comentários:
"Sionésio e Maria Exita - a meios-olhos, perante o refulgir, o todo branco. Acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só o um-e-outra, um emsi-juntos,
o viver em ponto sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamor. Alvor. Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse no dia de Todos os Pássaros.
"
Ops, esqueci da referência: é Guimarães Rosa no fim do conto Substância, de Primeiras Estórias... ele conseguiu fazer seus personagens avançarem parados ...
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