quinta-feira, 7 de março de 2013

Seguir parado

É a expressão engraçadíssima que os dois últimos textos me evocaram. “O trânsito segue parado”, afirmam com seriedade de paletó os apresentadores do jornal. Homessa. Se o trânsito segue, como é que está parado?! Coisas de quem acalenta aqueles terminhos da moda, que têm a dupla função de “sofisticar” e de atenuar a linguagem. Vê lá se o tráfego vai continuar ou permanecer, quando mesmo inandável ele pode seguir. Uns carros que seguem parados estão muitíssimo menos parados.

Pessoas, porém – como umas tais que mencionei no post anterior –, podem (im)perfeitamente seguir paradas. Envelhecem, conforme antes falei, tão-somente porque o tempo passa teimoso, cismando de velhar as criaturas. Seguem: segunda, terça, quarta, fevereiro, outubro, dezembro, 2012, 2013, 2028; seguem empurradas, atrambolhadas, resignadas, contrariadas, mas lá vão elas. Cronologicamente em frente. Por dentro, no entanto (se formos cair na esparrela de averiguar essas casas assombradas de final de rua), por dentro são tudo teias, imobilidade e espanto. Não sentiram o correr da folhinha mais do que como incidente externo. Não acompanharam de necessárias dores e bons sustos os anos que deveriam ter gasto em aprendências. Não se afetaram. Não evoluíram.

Os que seguem parados esquecem com absurda facilidade a campanha de não fazer xixi na rua, aiaiai, porque ainda estão chafurdados no id purinho dos primeiros anos e permanecem mera urgência, sem leis superegas. Os que seguem parados não compreendem nem por encíclica papal que é feeeeio furar fila, puxar cabelo de guria na boate, oferecer uma brahmita pro guarda, tacar o calouro na lixeira, pichar o muro do vizinho que tomou a bola, espalhar boato desmoralizante da vizinha que desembarcou no prédio, manter-se com fingido sono no assento preferencial do metrô – porque congelaram no excessivo primitivismo de suas cavernas; o máximo do empedernido, isolado e impermeável a contato humano. Os que seguem parados, por preguiça de desenvolver-se, coitadizam-se: procuram inspirar piedade para suprir o hábito não amadurecido de matar a própria fome. Os que seguem parados são parasitas, porque não chegam a ter idade adulta para chamar de sua; são aborrecidos, porque não se abrem à sofisticação da leitura, do cinema, de outras artes e respectivos universos; são mimados, porque se acostumam a viver sem levantar o traseiro psicológico da cadeira; são ranzinzas, porque miram o planeta como algo que lhes demanda o supremíssimo esforço de existir entre coisas incômodas – verruga, chuvisco, guarda-chuvisco, espinha de peixe, cachorro, areia. São sobretudo infelizes, grande e abertamente infelizes, como todos os muito aparentados do imobilismo maior e último. 

Os fracos, só, engarrafam e buzinam no tempo. Os demais desembrulham as asas.        

2 comentários:

Camila Rodrigues disse...

"Sionésio e Maria Exita - a meios-olhos, perante o refulgir, o todo branco. Acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só o um-e-outra, um emsi-juntos,
o viver em ponto sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamor. Alvor. Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse no dia de Todos os Pássaros.
"

Camila Rodrigues disse...

Ops, esqueci da referência: é Guimarães Rosa no fim do conto Substância, de Primeiras Estórias... ele conseguiu fazer seus personagens avançarem parados ...