Acho
muito engraçada nossa mania de dizer “cara, faz isso que de repente dá certo”,
“de repente essas manchinhas aí são de dengue, hein?”, “não decidi ainda, mas
de repente eu vou lá amanhã”. Não sei se de
repente pegamos birra com o “talvez” e o “quem sabe” e resolvemos variar,
enjoadinhos; tenho, porém, outra impressão: que essa expressãozinha matreira
encaixa fabulosamente em nossa cultura de abracadabras. Os brasileiros, e
notadamente os cariocas, levamos por tradição esse pensamento mágico – a coisa
não é, não é, não é, até que do nada passa a ser e fica sendo, olha que lindo. A
gente vê, a gente se encontra, a gente se esbarra por aí; não carece marcar,
criar compromisso. Fica mais gostoso de repente, não mais que de repente.
Compreendo
que a linguagem ajude a atenuar as dores: na verdade não tem vírus nenhum não,
ele está ali só de boas, só dando uma olhadinha, e bem casualmente pode gostar
do que vê e decidir se instalar. Entendo isso; somos herdeiros duma história
sofrida e o idioma é nossa almofada. Mas um discurso que anda de capacete, caneleira,
joelheira, óculos blindados, luva, cachecol, escafandro, macacão de astronauta
e colete à prova de balas também nos tolhe o ímpeto linguístico, o movimento
categórico. Vamos marcar? Sim. Quando? Terça. Que horas? Dez – sem surpresa,
sem bibbidi-bobbidi-boo, sem a Fada Azul dos encontros. Bora falar com a
Godofreda para consertar esse vazamento do prédio? Agora? Agora. Pronto. Falei.
E ela? Telefonou para a equipe responsável; estão a caminho – sem sustos, sem
esperas de um milagre hidráulico, sem de-repências filhas da procrastinação.
Admito
que sou, também, procrastinadora típica dos quarenta e vários graus cariocas.
Quem sabe se a escaldância de nossas quatro estações – verão, mais verão, semioutono
e inferno – nos deixa parvos demais para decisões longas; quem sabe se nosso
passado de bajuladores da família real nos predispõe ao que é flexível e
caprichoso; ou se o vaivém do mar nos martela que tudo muda o tempo todo no
mundo, e dane-se tudo, porque nada do que foi será. Mas o fato de termos mais
desculpas do que praias amacia e não soluciona. Precisamos não precisar de
heróis – porque o “de repente” é o deus
ex machina ideal, a magia da cartola, o ídolo dos que não se organizam.
Nunca viveremos a perfeita ordem finlandesa, OK, porém é necessário que todos funcionemos, todos queiramos, todos
fiscalizemos, em lugar de aguardarmos o Indiana Jones da política, o Luke
Skywalker que trará equilíbrio à nossa falta de força. O “de repente” é a
exceção, o contato imediato de terceiro grau, o rei Dom Sebastião que vem a galope.
Mas tem coisa que não rola a galope, que pede a vontade ligeira e coletiva do
trem-bala, pronta sempre, sempre forte. É impaciente demais o campo de batalha
de todos os dias, não dá tempo de sentar e esperar o Encoberto; o jeito é, num
abraçaço, darmos cobertura uns aos outros.
Quanto mais nos apoiarmos num ciclo de cuidado mútuo, menos subjugados
estaremos a qualquer um que, de repente, prometa cuidar de nós.
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