Quem já
assistiu ao doce La la land vai
reconhecer, aqui no título, um dos versos cantados pela protagonista Mia em seu
teste de elenco mais importante. A música da audição, fofa e melancólica, é a
completa celebração da arte: um viva aos tolos que sonham, aos malucos-beleza
que se entregam, aos que amam a ponto de esfacelar-se, aos que nadam no Sena
mesmo à custa de alguns espirros. Sobretudo, comoveu-me esse brinde aos
corações que se partem – não porque seja bonito e necessário sofrer, muito
menos porque haja qualquer alegria em festejar a dor alheia, mas apenas porque
a canção sugere, carinhosamente, que os capazes de se deixar fragilizar são os
que mais íntimos estão de sua própria humanidade.
Um
brinde, então, aos que se sentem fracassados em conviver com o mundo, por não
compreenderem que um grama de papel possa valer mais que oitenta quilos de
pessoa. Um brinde aos que dissolvem por dentro toda vez que passa reportagem
falando de quem perdeu tudo na enchente. Um brinde aos que morrem da mesma
flecha que dispara preconceito no vizinho. Um brinde aos que não digerem a
ofensa a eles não dirigida, aos que ficam órfãos do filho de outros pais, aos
que gemem sob o fardo de outro povo, aos que gritam da injustiça a outra
vítima. Um brinde aos que lançam fora o escudo e se permitem crivar das
tragédias que não são suas.
Saúde
aos tão desencouraçados que sucumbem ao primeiro baque das próprias tragédias.
Saúde aos frágeis e pequenos, aos suscetíveis e permeáveis, aos impressionáveis
pela inocência, aos escandalizáveis pela pureza, aos transparentes como fada,
aos etéreos, aos poetas, aos delicados. Saúde aos que se chocam, aos que
choram, aos que se espantam, aos que não se encaixam; saúde aos que duvidam da
sanidade coletiva, aos que têm fome excessiva de ternura, aos que compõem
escondidamente de madrugada, aos que soluçam de dó e saudade ao verem o que era
colorido ser coberto de cinza. Saúde, tim-tim e vida longa aos que serão sempre
muito jovens, aos que enfartam com a lógica do mercado, aos que se enternecem
pensando como dura pouco uma borboleta, aos que se arrepiam com certos acordes,
aos que se arrepiam com certos acordos, aos que pensam com cândido horror numa
rotina milionária. Um brinde aos que são turistas da realidade louca. Santé aos que são imigrantes de um éden
paralelo. Cheers aos proscritos, aos
viúvos de seres mais humanos, aos exilados de paraísos futuros, aos hóspedes de
uma dimensão que os aterroriza. Tim-tim aos que dia a dia se rasgam, se esvaem,
se medicam, se perdem, se atormentam, se questionam, se assombram, porque não
pertencem.
Eu vos
saúdo, abraço e amo! irmãos que perdoam e recebem, ainda que rotulados de
pamonhas; irmãos que preferem encolher-se no quarto a retaliar com um só
peteleco; irmãos que se afligem mas não julgam, se amarguram mas não condenam. Bato
convosco um hi-five de coração a coração. Sem os que se apelidam otários não
resta beleza, pois que é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um
samba não; sem os tolos não há a delícia sutil, há apenas causa e efeito. Sem
os tontos que gemem, não existe som de viola, nem soneto, nem rap, nem concurso
de fotografia, nem tango. Sem os que suam sob a própria pele, não há fantasia.
Sem os que se estafam de fumaça, não há jardins botânicos. Sem os deslocados,
não há observadores gentis; sem observadores gentis, não existem empáticos; sem
empatia, Homo sapiens é cronicamente
inviável.
Um
brinde eterno ao amor que mora no que é triste; só no coração traspassado se
lavra a portinha para o outro entrar.
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