Nosso
primeiro salto é dizer – ódio! –, e está bem certo: o amor bota vida no que
toca, o ódio é um trator universal que derruba, atira, estupra, persegue,
esfaqueia. Outros de nós afirmarão que o oposto do amor é a indiferença, e
estão igualmente corretíssimos: o amor se derrama em interesse perpétuo, a
indiferença dá de ombros e passa ao largo, concordando que tantos morram de
suas várias fomes. Outros ainda vão soprar que o reverso de amor é paixão, e eu
novamente assino cem por cento embaixo: o amor é a alegria de doar encarnada, a
paixão é a desesperada sede de tomar. E se garantirem que o contrário de amor é
guerra, ou morte, ou preconceito, serei obrigada a chamar aplausos: sim,
precisamente. Tudo que arrebenta, picota e destrói, tudo que permite
arrebentar, picotar e destruir, é o oposto específico do amor.
O
contrário de amor é tudo que não é amor.
Funciona
assim porque o amor não se detém no que é romântico ou materno: o amor é arca
de Noé, o amor é time, o amor é hemisfério. Está-se dentro ou fora, no abrigo
ou no dilúvio, numa metade ou noutra. O amor é casa sem varanda, sem meio-termo
entre o interior e a rua; mora-se nele ou se dorme à margem. O que entra nas
chamas para salvar quem quer que haja para ser salvo, o que cede um rim tanto
ao filho como ao transeunte, o que pede respeito ao discurso do partidário e ao
do rival, o que não celebra fuzilamento nem de terrorista, o que não transige com
nenhuma forma de barbárie, o que adota sem condições (inclusive seus herdeiros
de sangue), o que zela pelo de todos como pelo particular, o que sorri sem
barganha, o que escuta sem afoiteza, o que reserva o berro só para a montanha-russa
– esses moram inquestionáveis sob o guarda-chuvaço do amor, a redoma que acolhe
a vida em todas as vertentes. E há os que observam do outro polo: os que
grunhem bom-dia sem desejá-lo, os que encobrem o crime do neto mas acham que
pivete tem que morrer mesmo, os que põem na gangorra o seu bem e o mal do
outro, os que promovem qualquer dano a uma obra de arte, os que jogam a
natureza no esgoto e vice-versa, os que sob algum pretexto se consideram
melhores, os que com alguma quantia encomendam as leis. Quem quer que use de
boa vontade seletiva, de gentileza bipolar, de olhar com raio humilhador, de sarcasmo
como espada, de dever como escudo, de saliva como ácido, de dinheiro como fuzil
– pode até ser o orgulho fazendo cosplay de valentia, pode até ser o vampirismo
travestido de amizade, pode até ser a manipulação metida em roupa de afeto, mas
amor não é. Não está no amor. Não roça pelo amor.
That
radical? That radical. “Ah, mas assim não sobra ninguém” – nem prometi que
sobraria, ou que sobrariam muitas partes aproveitáveis de nós mesmos. Os que ainda
não somos o amor, mas que o olhamos com empenho sincero, ao menos saibamos que
não existe o pouco ou o quase nessa meta, não existe segundo
lugar no pódio: quem necessita não necessita de meio sorriso, de um quarto de
paciência, de 37% de honestidade. Se queremos tudo inteiro, que nos deixemos
colher também inteiros. Amor tem tantos antônimos porque é a integridade
itself: tudo que dele minimamente se afasta já o trai. Tudo que não o é – já é
seu inimigo e seu extremo. Tudo que o atrapalha joga com a outra camisa e
pretende fazer gol na rede adversária.
Já pertence ao amor quem não o estorva e se alinha à equipe a seu
serviço, anotando os pedidos, preenchendo os vazios. Se não formos os
iluminados que o preparam e temperam, pelo menos ajudemos a levá-lo quente de
mesa em mesa.
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