OK,
admito que não entendo chonguinhas de bolsa de valores e mercado financeiro.
Mas me corrijam se eu estiver errada: o que sustenta nosso fagueiro sistema
capitalista tem sido, há décadas e já séculos, a perversão inacreditável de negociar
abstrações. Há uma ideia, um conceito, uma aposta, uma esperança, com base numa
também abstrata tendência, numa
possível necessidade; em torno desse ectoplasma se briga, se discute, se
especula, criam-se e vendem-se ações (nome sarcástico de algo tão
fantasmagoricamente passivo, que melhor se chamaria de factoides). Esses pedacinhos de nuvem, esses lotes de paraíso
comprados na planta murcham ou embalofam de prestígio conforme a TPM do
mercado, o boato que alguém sibilou na piscina do hotel, o espirro do
presidente, a ameaça surda e pairante de ataque terrorista. Ao fim e ao cabo, um
bolhão maior de mistificações termina estourando, tsunamizando a vida dos
menores, regando a horta e enchendo o açude dos maiores – uns vão pro topo da
Forbes, outros vão pra baixo da ponte: segue o lance. That’s life.
That’s
life o caramba.
Tá que
esse resumo é de um simplismo ridículo, mas nisso estamos quites, planeta: tens
complicado demais, dificultado demais o que era simples, seu pulha. O que era
simples? Quem produz o que é material – vende: planta alface, tira petróleo, dá
aula de dança, abre um sebo, faz artesanato, desenvolve um software, monta uma
carrocinha de cachorro-quente. Colhe, cria, ensina, desenha, costura, troca,
orienta, treina, constrói. (Já acaba não sendo justo, porque nem todo mundo tem
a mesma chance e o mesmo começo; mas aí é buraco de mais para cavar numa
assentada.) Assistir ao ótimo e cruel A
grande aposta, entretanto – que quase abocanhou o Oscar ano passado –, soca
em nosso estômago a realidade de irrealidades: ganha-se dinheiro forte vendendo
absolutamente nada. Só fumos de uma loteria imaginária. Só brisas de uma sacada
mental. Rien de rien.
Gente de
verdadinha, carne-osso-nervos, passa uma fome bem denotativa porque uma seca
BEM palpável lhe arrasou o plantio, enquanto um Mister Fullanon toma café da
manhã com espumante porque acertou em prever que muita gente de verdadinha
perderia suas casas. Gente com cabeça-tronco-membros não consegue financiamento
para seu ateliezinho de vestidos de noiva, enquanto um conglomerado já
bilionário de manipulações despeja seu dote em outro conglomerado já
trilionário de outras tantas, em feliz união, até que a morte de inúmeros
pequenos negócios mais os una. Gente feito sua mãe ou seu filho foi arrancada do
prédio abandonado há 28 anos, enquanto há 28 anos a construtora está com o
megablasterprojeto congelado, após ter vendido aos clientes a fantasia colorida
do éden. “O mundo é complexo”, argumentam com seriedade as gravatas da velha
dinastia, “há regras, há normas, há uma organização”. Beleza; mas o legal não é
necessariamente o moral (por sinal, que fácil seguir as regras que nós mesmos
fazemos ou compramos!), e, da última vez que olhei, as leis é que tinham sido
feitas para o homem – não o contrário. Também fica um pouco constrangedor falar
sobre legalidade/moralidade depois que soubemos: tem oito caras com a posse de
metade da Terra, e tá supercool para o restante de nós. Há regras. Há normas. Os
que apostaram no cavalinho mais adequado têm prioridade.
E eu
tenho o palpite do milênio: cem contra um que este mundo já não está dando
certo.
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