Pareço
legal, mas até hoje zoneio a ordem das estrofes de Hey Jude. Pareço legal, mas azul nunca foi minha cor favorita.
Pareço legal, mas jamais assisti a um Jaspion
sequerzinho. Jamais fui à rua de havaianas – nem de roupa do Bicho Comeu – nem
de bicicleta sem rodinha – nem com cartão de crédito. Dobro a pontinha da
página para marcar a pausa na leitura. Adoro bicho, mas não me comprometo a
cuidar nem de samambaia. Odeio faxina. Odeio cerveja. Odeio camarão. Não chorei
em Sempre ao seu lado.
Pareço
legal, mas não teve jeito de eu aprender a assobiar. Não tem santo que me faça
curtir esporte. Não tem mártir dermatologista que me dê serenidade para usar
protetor solar. Não houve modo de eu guardar para sempre aqueles climas,
afluentes, bandeiras, capitais. Não furei a orelha, não aprendi maquiagem, não
me capacitei no salto, não tirei os óculos no casamento. Não gosto de Macunaíma. Não consigo distinguir banda
estrangeira (os Beatles sim, né, gente – só não me peçam para cantar Hey Jude; prometo nada). Não diferencio
um carro do outro. Não colei nenhum cartaz de artista na parede do quarto. Não tenho
paciência para calça comprida.
Pareço
legal, mas era louca por Pollyanna e Pollyanna moça. Pareço legal, mas acho 2001 – uma odisseia no espaço bem cacete. Dormi na primeira vez que tentei
ver Poltergeist (em casa, em casa!
Minha religião lasca oitocentas e quarenta chibatadas em quem dorme no cinema).
Ainda não patinei no gelo. Nem fora do gelo. Era apaixonada pelo mais jovem e
frágil Cavaleiro do Zodíaco. Sou apaixonada pelo Loki. Me distraio com
programas de psicopata – sobre, e não
para psicopatas – no Investigation
Discovery. Dispenso pipoca doce. Dispenso pizza calabresa. Metia atestado de
asma para não fazer educação física.
Pareço
legal – mas deixe comigo seu filho bochechudo e eu o massacro de fofura. Dê-me
um pedaço de panetone e eu farei bolinha com a massa. Peça que eu coma com hashis
e eu me desculparei pesarosa, mas continuarei feliz a refeição com os metais do
ocidente. Não tente me converter ao WhatsApp. Não aguarde que eu vença a
preguiça de Game of thrones. Não
ofereça um tiquinho do prato se não lida bem com a ideia de eu aceitar. Não
converse enquanto eu escrevo. Não converse enquanto eu leio. Se eu estiver em-mimesmadamente
de boas, não converse.
Principalmente: não converse se eu estiver vendo
Criminal minds e você tem apego à
existência. Pareço e sou legal – mas nunca se sabe.
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