“Computadores
são inúteis”, resmungou Pablo Picasso certa vez: “Eles só podem te dar
respostas”. A prova de que não concordo cem por centão é que tenho blog, Face,
consulto tia Wíki e não venho escrevendo exatamente a lápis, mas entendo bem a
indignação de Pablito e a moral da história. Computador – ou qualquer outro
trambolhão/trambolhinho que entre na internet, faça uma resenha amiga daquele
livro obrigatório, converta dólar em euro em libra em estaleca em iene, diga se
já é uma hora decente de ligar pro primo na Suíça, aplane o dilema “enfim, a
Dona Coisiane separou ou não separou?” – é instrumento apenas, e o pior, não é
instrumento burro. Picasso não chegou a saber (e não sei se intuiu) que essas
geringonças maravilhosas viriam não só trazer respostas imediatas, mas
implantar perguntas inúteis. Viriam de tal modo seduzir, excitar, distrair e
pornografizar a atenção humana que nos perderíamos entre as sereias, esquecidos
de Ítaca; nos atiraríamos à casinha de doces, deslembrados do caminho da própria
casa – ou da casa de alguém que não pretendesse devorar-nos.
Computadores
& cia. foram criados para responder, porém logo cooptados para desviar.
Enquanto boiamos em sua lagoa azul de facilidades, esquecemos o objetivo da
expedição. Enquanto nos entupimos das informações mais açucarentas sobre a
barriga chapada de Fulaneusa, o mais recente casalzinho júnior, as dúzias de
fórmulas coloridas de florzinha (e gramaticalmente medonhas) para dar bom dia
no WhatsApp – falta-nos apetite para o almoço. Quem vai acordar do feitiço
nessa hora e se dar conta de que pode investigar mais a fundo aquela acusação
que viralizou na rede? Quem vai sacudir a poeira de fada, baixar da Terra do
Nunca Pararei de Jogar Candy Crush e aterrissar na conclusão de que nós somos o
joguinho de outrem? Quem vai catar respostas, se nós estamos na Disney virtual
e elas estão no Hades? Quem vai investir na busca sólida, se moramos em ilha
banhada de leviandades líquidas?
O
importante é o processo da chegada à resposta, se resposta houver; e não o
processo apenas: também a motivação do
processo. Precisamos saber como saber
e para que sabê-lo. Não nos interessa
ter os tecnológicos como cérebros terceirizados: ou os fazemos simples
secretários, ou alguém nos faz escravos através deles. Ou ganhamos células
cinzentas marombadas pelo raciocínio, ou molengas que não resistem a ser
arrastadas. Ou amadurecemos pela inquietação que não nos deixa achar o mundo
normal, ou ficamos infantilizados ao receber o mundo quentinho na mamadeira. Ou
descobrimos o que é importante escarafunchando onde não nos querem, fuçando
arquivos que não gritam, deslacrando pastas seladas, questionando acasos
inexplicáveis, comparando dados sufocadinhos, duvidando de versões faxinadas –
ou somos alimentados por sonda, canudo, papinha mastigada previamente. Ou a
tecnologia é nosso Robin, ou é nosso Iago. Ou é nossa estrela de Belém, ou é
nosso Judas.
Respostas prontas economizam sola e frete (por falta de peso): concordo.
Mas os apaixonados de verdades raras vão ajoelhar-se pessoalmente. Bem sabem
que elas não se entregam de encomenda.
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