Somos um
álbum de influências, somos um patchwork. E nossos pais, irmãos, maridos e amigos
mais colados podem todo dia sorrir ante esse espelho e se encontrar em nós:
descobrem na gente um bordão que antes era deles, veem em nossa mania de limpar
a faca no pão uma herança deles, brincam de constatar que nossas músicas
cantaroladas nasceram neles. Nós também achamos nosso vocabulário em bocas
próximas, adivinhamos um elo de telepatia, seguimos a germinação de um ritual
que plantamos. Acontece, pois, de nos sabermos – e de termos em volta aqueles
que se sabem – formadores de pedacinhos de gente. Isso nos diverte e comove,
mas não exatamente nos surpreende: não seria mesmo de esperar que a convivência
atasse os laços? que a genética do sangue ou das horas se manifestasse nas
minúcias, nas reproduções? É e seria. É a praxe dos contatos. Está na letrinha
implícita das ligações humanas.
Mas
existe a letrinha miúda da letrinha implícita, porque não somos tão previsíveis
a ponto de apenas os mais vizinhos nos gestarem. Contra todo o lógico e o
previsto, temos em nós fragmentos de doadores que somente nos esbarraram, que
jamais foram íntimos, que sequer nos notaram ou anotaram o nome, que nem recaíram
no clichê de nos terem conhecido num momento de luz, numa data de relevo. Tornaram-se
influências porque nosso aleatório (?) painel de controle assim o decidiu,
escolhendo caprichosamente, selecionando com critério top secret esses
formadores que pouco ou nada nos viram, que provavelmente não lembram. Que nunca
souberam.
Pois
aqui vai minha gratidãozinha aos que nunca souberam. Aqui vai ternura à colega
de minha irmã que quase não vi, mas que me deixou o hábito dos substantivos
superlativados: um absurdíssimo. Aqui vai afeto a meu próprio colega de escola
que pouco conheci, mas de quem puxei uns termos impagáveis (Fulano deu-lhe uma
bifa, Sicrano te deixou na beiça). Aqui vai carinho, ó pá, ao impaciente garçom
português que ensinou: pastel de Belém se come morno, misturando açúcar e
canela em cima. Aqui vai sorriso à orientadora do estágio (a culpa é dela,
alunos) de quem copiei o sistema de positivos e negativos em aula. Aqui vai
amoroso reconhecimento às transeuntes que me inspiraram estilo nas ruas, aos
vendedores de loja que sugeriram possibilidades, aos grafiteiros que colocaram
menos tédio nos trajetos de sempre, aos conhecidos de um minuto que deram dica
médica certeira, aos brevíssimos contatos que me implantaram questionamentos, aos
olhares inesperados que trouxeram crítica e elogio. Sem vocês – mestres de
ocasião, ídolos fortuitos, cúmplices de minuto, óleos de dobradiças emocionais –,
possivelmente eu não me seria; ainda menos me saberia. Mil obrigadas pelo que
não imaginam terem feito, pelo que me continuarão cedendo ao longo dos próximos
capítulos de transformação.
Vai aqui minha benquerença fiel aos que nunca se saberão infinitos
enquanto eu dure.
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