Já me
defini aqui como primaveril: não gosto de aridez fria nem quente, de deserto
branco nem amarelo. Gosto daquela serenidade colorida que enfeita romance do
século XIX – parapeito com flor, hera tomando meio muro, musgo aveludando a
pedra, buganvília abraçando a pérgula, renda verde de flamboyant contrastando
com céu impecável, com dourado de tarde caída, com cacho de acácia, com azaleia
toda rosa em botão. Gosto de janela azul sobre parede branca, gosto de varanda
com mensageiro dos ventos tilintando leve, com cinco ou treze vasinhos fofos. Tudo
poético, tudo perfume e delicadeza. Essa é a chave mestra: delicadeza. Mesmo
curtindo montanha-russa, sou ligeiramente avessa ao exacerbado.
Digo
isso porque olha o carnaval aí, gente; lá vem ele, lá vem ele, e esse exagero
ensolarado me irrita. Sou órfã do fim do ano, adoro outubro-novembro-dezembro
com seu clima de “acabou o tempo, cozinheiros: hora de empratar”. Há uma graça
romântica nos preparativos, luzinhas escorrendo das árvores, a combinação de
verde e vermelho com cara de Europa. Embora ridícula, a presença da neve
artificial nos distrai um pouco de nossas escaldâncias. É tempo mais suave,
mais temperado, menos histérico (OK, tem a histeria comercial dos presentes –
mas eu amo tramar presentes). No carnaval a primavera evapora, já estamos há
mais de mês sem decoração fofinha, os programas há semanas fazem especial de
verão que é sempre areia-surfe-coqueiro, o Rio é um permanente meio-dia – 48
graus e subindo –, é muito suor mesmo no corpo recém-banhado, não se pode dar
um passo sem lançar mão de lencinho úmido para recuperar a dignidade, não se
consegue manter a pele fresca e lisa: fica animalesca, peguenta. Aqui o verão
já anda o cúmulo, e o carnaval é o cúmulo do verão. Sua-se o bastante em casa e
sozinho, mas por que não (pensa essa gente doida de pedra) suar baldes e bicas
em coletividade, debaixo dum sol fritador de neurônio e pulando, tresloucando e
desidratando? Nada mais estimulante do que necessitar de soro caseiro na
primeira esquina.
Mal aí,
queridos, mas não consigo deixar de achar insalubres essas insolações malucas.
Juro que não é frescura: é frescor. Prefiro o calor ao frio, só que ultimamente
moramos no Vesúvio, e não há possibilidade de ouvir samba-enredo sem associá-lo
ao efeito estufa de cada fantasia, ao desgaste de atravessar a Sapucaí em dança
contínua, ao mar humano de lava e loucura. Nada contra os desfiles, desde que
eu os veja do camarote que tem meu CEP. Sou do tipo que busca o locus amoenus, vai à praia somente para
permanecer no mar, estar com ele; sou do tipo que ama a doçura e não o cítrico,
o esperto e não o cômico, o dito e não o gritado, o agradável sem escândalo.
Sou do Natal, da água de coco, do mate, do strudel, da brisa cheirosa de chuva,
do livro na cama após o banho, da renda, do bordado (não, não faço bordado), do
chocolate intenso mas não amargo, do entorno de cachoeira, da cerejeira, da
kokeshi, do silêncio, do luar, do passarinho. Não me venham com o áspero, o
arenoso: quero o mundo macio e batido com leite condensado.
Com
pouco gelo e muita montanha-russa, por favor.
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