Fiquei
encantada ao saber, por um vídeo simpático, que a empresa americana EnChroma
desenvolveu óculos que dão aos daltônicos – mais especificamente, aos
daltônicos que têm a famosa dificuldade com vermelho e verde – o acesso a um
whole new world de bonitezas. Segundo o vídeo, “as lentes usam um filtro que
corrige a saturação entre essas cores [as duas de praxe] e lhes permite
observar todas as tonalidades”. Até onde me lembro, não convivo com nenhum
descromático, mas tomei pessoalmente a coisa: amo cores demais, até a loucura,
e tenho peníssima de não estarem lindamente atingíveis a todos. Tudo bem que os
óculos não fazem milagre de eficiência, não botam sempre as mesmas tintas em
cada par de olhos, não “curam” ninguém; são, porém, uma ajuda fofa e
alvissareira (vocês não adoram dizer “alvissareira”?), que amplia largamente as
percepções. Bem-vindo seja aquilo que expande o mundo.
O
problema, em verdade, é que as lentes mágicas só são vendidas na categoria
“olhos de fora”, o que considero intolerável. É maravilhoso se jogar na
paisagem e admirar true colors shining through, mas o que fazer com os
legítimos deficientes visuais – aqueles que, tendo todos os fotorreceptores
para ver, não veem? Que filtro vestir em quem recebeu clarões na escola, mas não
decodifica ideias; em quem consumiu vitamina A de Acesso a estudo, internet e
leite Ninho, mas não distingue interjeições de argumentos; em quem passou no
exame de vista social do Enem, mas é profundamente cegão para as realidades
múltiplas? Cadê cirurgia de Q.I. que ajude os desorientados a organizar seus
espectros? Cadê transplante de córnea mental que guie os pensamentos
extraviados até um eixo de razão humana?
Tem
bombado por aí uma ruma de não daltônicos incapazes de ver nuance e de ver
clareza. Uma turma que consegue, por exemplo, descortinar no tapete vermelhão
do Oscar – um dos maiores prêmios da INDÚSTRIA – o complô ultraesquerdista
radicomuna que visa a arrancar o planeta das mãos da branquitude, já que dá os
louros (com trocadilho opcional) a um filme de elenco negro. Um povo doido que
vê miragens de perseguição quando uma minoria alcança o que ele mesmo sempre
teve. Uma gente descompensada dos nervos que percebe discordâncias de
pensamento como rejeições pessoais. Umas toupeiras míopes para as feridas dos
longínquos e hipervisuais para os próprios arranhões. Uns obtusos vendados para
a corrupção que lhes sapateia na cara e clarividentes para especulações a
respeito dos desafetos. Uns encataratados diante das necessidades que moram
além de seu quintal; uns linces diante dos quereres que estão à distância de um
umbigo. Vistas cansadas demais para a lógica e arregaladas para a tolice. Morcegos
para o erro próprio, águias para o alheio.
Exaspera
e desespera lidar com o daltonismo filosófico, cotidiano e moral – e por isso
deixo aqui meu apelo aos cientistas para que se dediquem, amorosamente, à
resolução dessas cabeças destunadas. Umas lentes de contato imediato com a vida,
uns colírios de desembaçar preconceito, umas gotinhas de dilatar empatia, até
um curvex de dobrar arrogância tá supervalendo. O essencial é que o essencial
também seja visível aos olhos.
Tudo
acerta o alvo se o coração ajusta o foco.
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