Ele é
ponto, ela é traço – ou vice-versa. Um é a objetividade refletida, direta, que
pousa inteiro onde está, que está inteiro onde fica; o outro é a subjetividade
desvairada que tudo abraça e envolve, tudo ao mesmo tempo olha e inclui. Um não
tem paciência social, festeja exclusivamente o que é festejável e nunca se
estica muito para longe de seu centro. O outro bota uma perna em cada polo do
mundo e não há nada em que não se enrosque: é malandro no trato, sedutor no
chamado e ambicioso de gente. Um pode andar em bando, mas importa pouco, porque
sua individualidade mansa e feroz o faz solitário quase à revelia. O outro pode
ser uma criatura que se basta na capacidade, porém não é coisa nenhuma sem que
sua amplidão prenda algumas vítimas – várias, de preferência. Um não
está apto para a dilatação pessoal; o outro não tem limites reais nem interesse
em amarrar as pontas, só mantém o foco em derramar-se.
Conhece
um e outro? amigos? casal? Também. Mas eu diria de um jeito mais chutador de
baldes: um e outro somos nós.
Somos
confete quando a expansão, qualquer expansão, nos cansa: decoramos o estrito
para a prova e não absorvemos o global para a vida; pagamos o tributo de
amizade sem enfado, mas sem juros; aprendemos as operações do caixa eletrônico
para resolver a rotina com o mínimo de interação humana. Somos serpentina
quando tudo que não é expansão nos aborrece: baladinha melosa não vai pro fone,
o sacrossanto lar começa a parecer abafento, a cócega das viagens e cachoeiras
e montanhas-russas e arborismos nos agita o travesseiro. Somos confete quando,
embora iguais, pairamos desunidos: temos o mesmo peso e relevância, mas não
temos mão para estender, e o vento sopra um a um para o isolamento e a
desproteção. Somos serpentina quando estamos tão ávidos de unidade que as
individualidades somem no laço, desaparecem no todo esperando que o todo nunca
se rasgue. Somos confete quando celebramos amorosa mas pontualmente; somos
serpentina quando cruzamos um quarteirão emocional atrás da inclusão de tudo.
Somos confete quando festejamos a meta alcançada; somos serpentina quando nos
deliciamos no trajeto percorrido. Confete, quando os olhos acarinham a distância
do agora. Serpentina, quando o cavalo doido dos sonhos se desamarra e só volta
exausto, suado de correr a esmo pelo que nunca foi.
Sim,
tudo cabe nas gavetas da mesma pessoa com a diferença, às vezes, de instantes,
e nem por isso há casos humanos de combustão espontânea. Sim, existe em nós
fartura de espaço para o eu fixo e o eu extenso, a moderação e a sede, a
preguiça e o entusiasmo, o assentimento e a sofreguidão. Somos o baile de
ingredientes que sambam, somos mais de mil pedaços no salão, somos o pierrô que
chora pelo amor da colombina e o saçariqueiro que leva a vida no arame, somos a
mulata bossa nova e a maria escandalosa, somos o chá com torrada e o parati, somos
o que dá dois suspiros e o que pega touro à unha. Cabemos todos – confete,
serpentina, lantejoula, pandeiro, harpa, gravata, chinelo, peruca, purpurina, abajur,
lareira, violão – nessa avenida antropofágica de eus que nos atravessa, que nos
desfila. Médicos, monstros, bailarinas, canibais: eis-nos. Felizes de nós se é
só por fora que envergamos a fantasia.
(E,
tendo dito, por ora muitíssimo com licença; vou deixar-te agora, não me leve a
mal. Hoje é carnaval.)
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