Abro
aspas para o escritor americano Henry David Thoreau: “As nações são possuídas
pela louca ambição de perpetuarem a sua memória com a soma das esculturas que
deixam. Que tal se esforços semelhantes fossem despendidos no sentido de
aperfeiçoar e polir a sua conduta? Uma obra de bom senso seria mais memorável
que um monumento da altura da Lua. Prefiro contemplar as pedras no seu local de
origem”.
É
verdade que Thoreau, ao publicar sua autobiografia poética e filosófica Walden, em 1854 – livro onde mora o
trechinho aí de cima –, narra seu mergulho cabal em algo que, para os árcades,
era só fingimento literário: uma vida retirada e florestal, simples, sem luxos,
com móveis e imóveis feitos com as próprias mãos; uma espécie de Capitão Fantástico way of life. É
verdade também que poucos de nós iríamos tão longe; eu mesma sou exemplo de
quem adora cinemas e farmácias sempre à mão (embora inveje loucamente os dois
anos em que o autor viveu plantando seus amigos, seus discos – se houvesse
discos – e livros, e nada mais). Mas apesar do radicalismo de Thoreau e da
improbabilidade de seguir sua entrega e seus passos, não desreconheço o quanto
me toca sua observação sobre as construções, sobre as esculturas. Uma coisa é
simpatizar com as comodidades básicas; outra, diferentíssima, é dar glórias ao
cimento, é identificar evolução e cultura com as toneladas mortas de granito e
mármore que constroem uma cidade grande.
Cidade
não pode aparecer grande na estrutura e ínfima em ser-humanidade. Escolas,
hospitais, habitações frescas e boas são paredes obrigatórias, ninguém discute,
mas no mais é preciso evitar tijolos antes de se edificarem ideias. É preciso
que a alma dos teatros palpite no que é intenso e filosofável, e não apenas na
ostentação do patrocínio ou na curiosidade da moda. É necessário que as
estátuas dos parques estejam abençoadas pelo afeto público, não somente pelo
vazio respeitador ou pelo olhar que não picha, mas também não enxerga. É
fun-da-men-tal que as assembleias, tribunas, prefeituras não sejam acarpetadas
de salas impenetráveis, de corrimões veneráveis e hostis, mas sejam sim tomadas
pelo povo, feitas de povo, transbordantes de povo por veias e artérias. Museus
devem ser baús de memória rendada, carinhosa ou difícil, mas afetiva sempre,
como histórias de avós – e não templos de intocabilidade e símbolos de chatice
ritual. Universidades e mecas de eventos devem ser debatódromos. Igrejas devem
sobretudo ser roçados de amor, e não novos santuários de dinheiro. Secretarias
têm a obrigação moral de nos ser secretárias. Bibliotecas – nossos parques de
diversão. Shoppings – nosso ar-condicionado gratuito, acolhedor a todos que
compram ou não compram.
Não
adianta, ó caros, ter massa urbana bonita e dourada se o recheio não for de
gente. Acaba só ficando para nós um bruto mar de concreto cercado de ilhas por
todos os lados.
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