A
menininha no restaurante (não devia ter mais de oito anos) usava blusa
estampada com três heroínas dos quadrinhos e a legenda: “Girls defend the world”.
Fiquei orgulhosa da pequena e dos pais que lhe puseram figurino tão
superpoderoso. Nada contra as princesas Disney; amo todo o universo Disney, e
as protagonistas vêm tendo a beleza e autenticidade de se tornarem o que sempre
deveriam ter sido: garotas porretas que não precisam de marmanjos para
salvá-las, para lhes fornecer metas de vida ou garantir o happy end. De
qualquer modo, as lindinhas das animações para-toda-a-família acabam se
tornando ícones de estilo vaporoso e delicado, enquanto as gurias de capa –
mais urbanas, menos de época, mais com cara de gente que come pão na chapa,
estuda e bate ponto – envergam a praticidade que melhor lhes permita voar,
saltar e chutar caçando bad guys. Mais parecidinho, em verdade, com o jeans
esperto, a legging e o uniforme que tantas heroínas factuais usam para matar quarenta
e sete leões antes do almoço.
Sim, as
meninas defendemos o mundo – e eu nem preciso dizer de quem. Em geral não somos
nós que entabulamos guerras (Jesus, que coisa mais cretina a guerra!), em geral
não somos nós que passamos o dedinho na verba pública, no geral não fomos nós
que ligamos calhordamente a motosserra em cima do planeta. Não venham nos
acusar de ter promovido a maioria das cruzadas, de ter criado a tortura das
crucificações, de ter escrito o Martelo
das feiticeiras, de ter sedimentado as bases do nazismo. Certo, não somos
inocentes, fomos muitas vezes alimentantes da fera (síndrome de Estocolmo
detected, sisters), mas somos em grande parte sobreviventes e paladinas desta
Terra sistematicamente violentada.
Se já
criamos armas, não sei; infelizmente, é de crer que sim; sei, porém, que sem
Maria Beasley não havia botes salva-vidas, sem Anna Connelly não havia escadas
de incêndio, sem Maria Telkes e Eleanor Raymond não havia painéis de energia
solar, sem Letitia Geer não havia seringa médica, sem Stephanie Kwolek não
havia coletes à prova de bala, sem Ada Lovelace não havia algoritmos de
computador, sem Hedy Lamarr não havia sistema Wi-Fi. Porque alguém tem de
pensar nas alternativas: no que fazer quando um testosterônico monstro do mar
afunda, quando a fumaça rouba as fugas dentro da maior construção que seja,
quando a energia do chão extorquido se esgota, quando o peito fica exposto à
droga de bala já inventada, quando os fios começam a confinar os passos. Mulheres
somos sinuosas e acostumadas a desviar da dureza, a driblar o limite; o mundo
masculinizado é pedra, nós somos água. Temos a força do vento, da abelha, do
escudo. Somos o poder menos óbvio, a contundência do sutil que dá bug no
circuito do colossal. Meninos: fazemos amor enquanto vocês brincam de guerra.
Antes de
ficarem ressentidos, superboys, pensem com ternura nas mulheres da Mesopotâmia
e da Suméria, que há mais de 7 mil anos criaram e aperfeiçoaram a cerveja.
Cheers!
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