Não
entendo qual é a dificuldade: a gente pisa na escada rolante, não está na vibe
nem na precisão de correr, fica ali quietinhamente à direita – e larga a
esquerda aberta, solta para os impacientes ou desesperados. É casalzito? põe o
mais baixo no degrau de cima, o mais alto no degrau de baixo, beijinhos,
fofura, todos felizes. Necessidade nenhuma de embarreirar a pressa alheia,
sacrifício nenhum de lembrar que os outros meramente cruzam o dia em seu
próprio e diferente ritmo. Escadas rolantes resumem a potencial simplicidade do
mundo.
Mas não.
A criatura não consegue seguir sua estrada com tranquila eficiência, fiel aos
passos e pulsos individuais. Tem que ficar embaçando o andar do próximo,
latifundiando o degrau inteiro: que mala. I mean, na melhor das hipóteses é um
mala que se tem no meio do caminho – aquele de invadir conversas, tentar impor
sua sacrossanta experiência, se instalar no tempo do amigo em momentos
lindamente inadequados, dar um golpe de estado na decoração da sala da prima,
distribuir as últimas palavras nos dilemas dos filhos do síndico. É o chato
ingerente, muito daninho em convivências ininterruptas mas suportável em
encontros bissextos. Pior mesmo é aquele que, em vez de nos aprisionar um
instante ou dois, em vez de nos submeter a uma opinião ou duas, quer seu
hospedeiro completo; quer tudo. Encosta numa vida usando crachá de amor e
vampiriza, vampiriza, vampiriza até o desalento secar as artérias da vítima.
Por isso
me arrepio até a última hemácia quando ouço uma jovem aluninha ou aluninho
protestando: ah, precisa ter um pouco de ciúme, sim, professora, para confirmar
o amor. O cacete, crianças. Ciúme é coisa de gente tão incapaz de se gostar que
se torna também incapaz de se achar gostável. O ciumento não tem amor, tem
medo; é a insegurança personificada, a baixa autoestima em formato humano, o
parasita que tem raiva do anfitrião porque se sabe insuficiente para ele. Não
há possível saúde quando se cola no outro não pela vida que ele lhe dá, e sim
pela que lhe pode ser arrancada. O ciumento, em todas as áreas, faz muito mais
do que se postar no meio do degrau e atravancar o caminho: o ciumento lhe toma
o degrau, aliás toma todos os degraus disponíveis para fuga, até finalmente
atirá-lo da escada. Nunca foi amada provavelmente, essa alma doentia; tanto que
(sem prévias instruções) chama de amor sua avidez de posse, seu terror da
perda, sua ganância de colecionar gente e não emprestar suas peças para mais
ninguém. Nunca descobriu que o amor sufoca com agrotóxicos, só pode ser limpo e
orgânico. Não sabe que não há transplante bem-sucedido de amor para um
confinamento sem espaço de raiz, caso ele seja tirado de seu habitat natural de
liberdade.
Ó só, turminha do ciúme: sai dessa. Deixa a delícia, o prazer, o
objetivo, a alegria, o trabalho, o piercing, o namoro, a saia, o short, o
filho, a faculdade, a música, o cabelo, a crença do outro/ da outra – deixa tudo
lá no outro e na outra. Uma vida só já dá uma trocentada de suor (ainda mais no
verão carioca), não desidrate acumulando a administração da existência alheia. Acredite:
o que se atrai todos os dias nos pertence por escolha; o que se caça não é
feito para ser nosso. Não existe plenitude em gaiola. Tudo que é sórdido
desmancha no ar.
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