Primeiramente
(fora, Temer!), peço vênia de todo coração para submeter os amigos a um
trechinho de Hitler. Sim, de Hitler – dói mais em mim que em vocês, mas enfim é
preciso escancarar o olho no escuro para melhor ter certeza de quem está nos cuspindo.
O pedacito de (aaaargh!) Mein kampf
que tenho o desgosto de citar é mais ou menos assim: “A arte da propaganda consiste precisamente em ser capaz de despertar a
imaginação do público através de um apelo aos seus sentimentos, encontrando a
forma psicológica correta que irá prender a sua atenção e apelar para os
corações das massas. A grande massa de pessoas não é formada por diplomatas ou
professores de jurisprudência, nem por pessoas capazes de fazer julgamentos
sensatos, mas sim por uma multidão vacilante de crianças humanas que estão
constantemente oscilando entre uma ideia ou outra”.
Pode-se acusar aquele Adolf de todas as piorices,
menos de imbecilidade. Poucos manjaram tanto dos paranauê da manipulação. Tanto
assim que uma das dez técnicas de fantochice midiática apontadas pelo tio Noam
Chomsky vai direitinho ao encontro do que disse o danado: quanto mais a mídia
deseja enganar o público, mais o infantiliza. Quanto mais procura fazê-lo
abdicar das escolhas adultas, mais lhe fala em bebezês. Convido especialmente
os cariocas, por exemplo – a título de experiência –, a assistir aos
telejornais globais das primeiras horas da matina e confirmar a tese. É quase o
Xou da Xuxa para altinhos: muito risinho forçado e alegria incompatível
com o horário e a cidade, muita interação com os espectadores que mandam
vídeo sorridente para dizer “olha a hoooora!”, muito tatibitate do menino do
tempo que explica a chuvinha, a nuvenzinha, o “amarelão” do mapa como numa aula
de Geografia da segunda série. Se tivermos a doce malícia de imaginar quem seria
o alvo da atração, quem estaria normalmente acordado antes do sol (para talvez
pegar um trem e dois ônibus até o emprego?), vamos facilmente concluir a quem
seria mais interessante tratar como beócio. A grande massa de pessoas não é
formada por diplomatas ou professores de jurisprudência, cof, cof.
Por que nos tomar por crianças? Para que assim nos
tomemos. Porque tal qual se dirigem a nós – assim reagimos. Nossa tendência é imitar
e corresponder ao que nos é dado; e ser criança, afinal, passa por terceirizar
decisões e responsabilidades. Se nos infantilizam, também cuidam de nós, nos
dão tutela, nos alimentam de ideias, nos guiam sobre o que convém em sociedade
e roteirizam nossos dias, nossas metas. Crianças de qualquer idade vão para a
rua com a camisa auriverde que papai escolhe, crianças torcem pelo time que
mamãe ensina, crianças acreditam nos monstros e fadas que os adultos rotulam,
crianças elegem heróis (juízes, por exemplo) que as salvarão dos homens feios.
Crianças precisam de cavalinhos falantes para acompanhar os gols da rodada,
precisam de cenas pastelão na novela das seis para concordar que o mundo é
realmente bom e vai bem, precisam que lhes contem histórias da carochinha por
tooooooda a tarde e noite, senão não conseguem dormir. Crianças não abstraem
bem os maniqueísmos, não são eficazes em separar o argumento da opinião, o
racional do impulsivo, o debate do xingamento. Crianças são mentalmente
acomodadas se não as estimulam, são preguiçosas na leitura se encontram algo já
mais colorido e mastigado, são mais afeiçoadas a passar os olhos na manchete e
nas figurinhas do que em mergulhar nos conteúdos. Crianças são alarmáveis e
impressionáveis – mas normalmente não contra os perigos reais, e sim em relação
a seus próprios moinhos de vento.
Crianças do meu Brasil: assumam suas mais de duas
décadas de mundo, deem um tempo na amarelinha. Vivam sua plenitude de adulto,
sua prerrogativa de sair do quadrado, do cercado, do que nos é delimitado. Não
achemos que nossa ingenuidade malandra pega algo ou alguém no pulo; a carniça é
que somos nós.
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