No
sábado de carnaval, o jovem Igor Bezerra foi (de carro) pular todas em
Petrolina. Estacionou nas imediações da pipoca, pulou todas e voltou às duas da
madruga, quando notou, desgostoso, que o vidro do carro estava aberto. “Danou-se”,
qualquer um pensaria. E, de fato, tinha sumido a bagulhada completa: celular,
óculos escuros novinhos, duas camisas, perfume, documentos, comida. Ficou só um
bilhetinho, cujo teor não sei mas que abespinhou os ânimos do moço;
provavelmente algum “vou guardar tudo para você enquanto não volta” ou coisa
que o valha, já que o rapaz foi para casa na certeza de que o ladrão ainda
tripudiava sobre seu descuido.
Ao
chegar à sweet home, Igor foi recebido pelos pais, que haviam ligado para seu
número e papeado com outro sujeito – e eis que o tal sujeito jurava ter visto o
carro com o vidro escancarado e, junto com a mãe e a namorada, decidido retirar
os pertences para que não fossem furtados. No dia seguinte, lá foi Igor (acompanhado
de dois amigos, ainda no receio de um golpe qualquer) encontrar o bom
samaritano e suas companheiras. Não só recebeu absolutamente tudão de volta
como ainda ouviu da mãe do rapaz, ao tentar oferecer-lhes uma recompensa em
dinheiro: “De jeito nenhum, vá e faça isso por outra pessoa”. The (happy) end.
É mais uma daquelas histórias que enfofam o dia, e mais: alertam que a generosidade
reativa nem sempre é suficiente. Pode não bastar a simples cessão da esmola, da
bengala, da força, da ajuda solicitada; pode não ser eficiente apenas dar, pode
ser preciso oferecer. Não retirar a responsabilidade do outro, mas completá-la.
Zelá-la. Assessorá-la. Ter a finura atenta e atenciosa de quem previne os males
malandros para que não seja mais custoso corrigi-los. Voluntariar-se como HD
externo do bem-estar alheio, primeiro-ministro do interesse que é nosso porque
é do outro, elo devotado que protege a corrente na integridade do elo vizinho. Quanto
mais circulamos pelas lacunas do não dito, mais a roda coletiva gira azeitada.
Somos todos filhos, afinal – e filhos carecem de rotas independentes na mesma
medida em que demandam lanternas que as instruam.
Enquanto
o aluno não acorda para o essencial que somos, deixemos em sua caixinha de
memória o cabedal para futuros saques. Enquanto o humano certo não chega tomado
de ternura adotante, conservemos feliz o filhotinho que será sua alegria. Enquanto
o funcionário atravessa o tornado que não lhe permite ter o desvelo de sempre,
mantenhamos seus bons créditos de confiança rendendo juros agradecidos.
Enquanto o pródigo não retorna de sua temeridade, cuidemos do quarto
arrumadinho e do talher que espera na mesa. Enquanto a mãe ou pai sumido não
devolve sua incondicionalidade ao pequeno que aguarda, reguemos no pequeno o
amor que respeita, aviva e perdoa. Enquanto o primo não regressa de viagem, que
as plantas se sustentem verdinhas. Enquanto o afilhado não cresce, que sua
herança se desenvolva frutífera. Enquanto os olhos do bem-querer não nos
descobrem, que os detalhes secretos e sagrados morem sacramentados em nosso
álbum mental.
Não o acaso, mas o amor é que nos protege e resguarda o que vale até que
deixemos de andar distraídos. E depois.
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