Quem é
professor se digladia ferozmente dia sim, dia again com os malditos celulares
de alunos – batalha desigual e inglória, já que somos os portadores de orações
coordenadas, de tabelas periódicas, e eles
dão de presente facebookices e o reino da zaplândia. Brigamos, enforcamos,
defenestramos, mas em off não esquecemos que são crianças, são adolescentes, e
afinal não estão em sala exatamente por gosto. O que REALMENTE não consigo
entender é marmanjo velho de guerra PAGAR para se divertir no cinema – pagar
para se DIVERTIR no cinema – e continuar futucando o aparelhinho dos infernos
durante toda a sessão, checando postagens de vida ou morte, digitando como um
possesso, resolvendo tretas de família, jogando a luzinha do capiroto na nossa
cara. Por que pitombas um cidadão morre em trinta reais para colher o filme ali
fresquinho, gigante, som surround, e “assiste” com a mesma negligência de uma
Temperatura Máxima à mesa com a filharada? Por que comparece voluntariamente ao
lazer que não o convocou e sabota os motivos da própria presença? Por que corre
a uns braços e não se entrega? Por que busca a experiência de imersão e não
imerge?
Barulhinhos
de mastigação, bala e pipoca podem nos desviar de uma ou outra fala, mas em
geral o corpo, em estado cinematográfico, consegue ignorá-los e seguir o lance,
porque fazem parte da mística do ambiente e o preenchem como fantasmas da sala.
Luzinhas de celular, não. Batem no olho (ainda mais com a atual configuração
das cadeiras em cascata) e o disputam, deslocam, irritam. Pior dos piores:
trazem a sugestão do mundo de fora para o infinito ficcional de dentro, o que
mais ou menos equivale a um alarme de carro ensandecido ou a batidas debochadas
na porta quando se está consumando o amor. Ir ao cinema é ir ao motel com a
arte; pendurar-se no smartphone é se debruçar na janela e ficar namorando a
vista em vez de se dar à companhia escolhida. O fato de alguém se empenhar em
fugir da própria fuga me traz mil febres.
Mas não
jaz no celular o único ricardão desses atuais amores. Há a mania recente de
expulsar a plateia com o acender intempestivo da sala, mesmo quando há cenas pós-créditos
(que 87% do auditório não veem, já que entendem a primeira lâmpada acesa como
sinal de estouro da boiada). Um amadorismo dos horrores vindo da própria equipe
que deveria saber: não se arranca assim alguém de um filme, não se sobe alguém à
tona sem digestão, despedida, período de velório. Não demora nada e o
sacratíssimo templo do cinema vai danar de dividir a tela entre créditos de um
filme e trailers de outros, como já fazem os canais de assinatura com pressa
odienta e sensibilidade de jiló. Mal posso descrever o ÓDIO de ver subirem as
letrinhas para inglês mutante ver (só um X-pectador para lhes acompanhar a rapidez
e o nanotamanho), enquanto a trilha daquilo a que se acabou de assistir, com a
música que deveria alinhavar a história na gente, desaparece sob a narração das
próximas atrações. Alguns canais chegam ao estapafúrdio: estragam ao mesmo
tempo a despedida de uma produção e o início da seguinte, porque, com o furor
de quem vai tirar a avó da forca, deixam os programas simultâneos por minutos
inteiros. As razões da corrida maluca, não sei. Sei que morro de desgosto e
boicoto solenemente os profanadores.
Um
passarinho quase me diz que os promotores dessa política nunca amaram, nunca se
agarraram na promessa de um restinho de tempo, de um segurar de dedos que se
rompe demoroso, de um voltar de cabeça 826 vezes repetido, de um aceninho mil
vezes reiterado no lento acostumar com a distância. Relação de duas horas com
uma terra, um cenário, uma gente, um enredo aos quais (supostamente)
pertencemos exclusivos é um fazer de amor, gera apego, gera grude e demanda
tato e doçura para ser desfeita, pelo menos até o próximo encontro.
Particularmente, minha maior tendência ao ver o filme anterior assim invadido é
desligar a tevê de imediato, para preservar a memória; não curto sequer
assistir a dois no mesmo dia, quanto mais ver um entrando no quarto enquanto o
outro está saindo, tipo Hilda Furacão. Existe ternura não comercial na arte, paixão,
afeto irrelogiável. Existe monogamia nessas digestões d’alma. Não há maratona.
Não há medalha, medalha, medalha.
Quem
insulta a inteireza da cine-experiência não vale o cheiro de pipoca que respira.
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