Uma
porção de manias humanas me irrita – a mim como a todos –, mas quer saber uma
das que amofinam em grau máximo? A mania de ter melindre. Fingir melindre.
Cultivar melindre: whatever. Aquele jeito, sabe? de estar eternamente ofendido,
permanentemente agredido, constantemente incompreendido, inevitavelmente
injustiçado. Mas corro a esclarecer, antes que me entendam em sentido oposto:
não engrosso DE MODO ALGUM o coro de idiotas que consideram autovitimização o
que é, na realidade, perfeita e justa autodefesa – a de pessoas que, por
exemplo, sofrem e gritam na cara do racismo; a de gente assediada que
obviamente se revolta e obviamente decide que qualquer assédio é inaceitável. Com
esse povo eu superestou; estou com as vítimas reais e inquestionáveis, as
vítimas do machismo, as vítimas do coronelismo, as vítimas de uma história
nojenta e maldita, as vítimas de uma escravidão nunca terminada. Quem não me terá
ao lado jamé, e me exaspera de modo inenarrável, são exatamente os inquilinos
da Casa Grande que volta e meia pedem os sais, em faniquito. Não sou mar
evaporento para levar sais, e olha: se tem um caráter que desprezo, é o da diva
contrariada.
Alguém que
compartilha alguma barbaridade no Face e bate o pezinho se vem outro alguém,
sério e argumentativo, que prova o post como barbaridade. Alguém que só aceita
comentários a favor e babações rastejantes de ovo, ou, do contrário, tem
desfalecimentos de indignação e mágoas de donzela romântica. Alguém que não se
suporta pego na mentira e tenta reverter o jogo, acusando seu acusador de qualquer
baixeza. Alguém que não sabe lidar com a coerência e a contundência alheias e
tenta disfarçar suas limitações sob a capa da brincadeirinha. Alguém que quer
ir embora com a bola porque o amiguinho feio-chato-bobo-cara-de-mamão não tem
humor para receber de boas as ofensas a que deveria estar acostumado. Alguém
que tão mais propaga mensagens cafona e falsamente religiosas quanto mais
precisa esconder a raiva sangrenta, militarista. Alguém que sabe apontar mais
bruxa que o tribunal do Santo Ofício e queimar as reputações que achar no
caminho, pra salvar um fragmento da sua.
Alguém
que se considera a Fanta do Saara – o suficiente para tomar como crime de traição
nacional um zap não retornado, um comentário aleatório, um aniversário esquecido.
Alguém que tem o dom ou o fardo de ser invejado, observado, perseguido,
cobiçado, suspirado, molestado, cercado, constrangido por absolutamente TODOS. Alguém
que faz beicinho interno cada vez que ousam seguir o dia e a vida sem sua
presença. Alguém que estremece de choro patológico cada vez que OUSAM
escancarar-lhe a má-fé do discurso. Alguém que usa o patético como arma, o
dramático como defesa, o hipócrita como escudo. Alguém que geme novelas
mexicanas e baba chantagens emocionais ao receber o baque do não. Alguém que conhece TODOS os ingratos
ora viventes na superfície terrestre. Alguém que se encastela na ficção de sua
grandeza para encobrir o ressentimento de sua pequenice.
Melindres:
mesmo organizando direitinho, não sobra tempo para tê-los. (Por sinal que basta
o tê-los para se ser perfeitamente incapaz de sabê-los.)
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