Bato um
hi-five com Theodor Adorno quando diz que “liberdade não é poder escolher entre
preto e branco, mas sim abominar este tipo de propostas de escolha”. Porque é
um tipo de proposta elaborado por quem já pré-escolheu, já catou os feijões, já
fez a seleção artificial e veio, triunfante, com as cédulas impressas. Não fico
minimamente feliz nem com a “democracia” que nos leva a batalhas entre Jason e
Freddy – embora entenda que esse péssimo sistema democrático é cinquenta e
quatro milhões de vezes melhor do que sistema democrático nenhum –, quanto mais
com esses pleitos fictícios que alguém inventa para nos enjaular o dia: Coca ou
Pepsi (detesto ambas), blockbuster ou circuito Estação (adoro os dois), sal ou
doce, verde ou vermelho, pop ou erudito. Vá entender POR QUE só duas opções
acanhadas cabem, de cada vez, na pobre balancinha humana; pavor de descontrole?
preguiça? maior chance de pertencimento? menor margem de erro? E aliás: por que
mesmo, hein, temos o raio da balancinha madrasta? Com que objetivo sádico se reduz
o mundo, inclusive o mundo mais prosaico, a um histérico escolher de time com
direito a fiscal de butuca, pra ver se você não pisou na linha?
Não sou
partidária da volatilização de tudo, o que seria também arrogância; confio em
escolhas sólidas, firmes, infinitas. Mesmo assim, normalmente se assinala um
entre vários, não há somente letras A e B: uma entre várias religiões, uma
entre várias pessoas, um entre vários times – além da sempre possível
alternativa “nenhum(a) das anteriores”. Podemos até nos comprometer pela
eternidade com algo ou alguém, mas somos complexos, esmiuçantes, desdobráveis;
o formulário não nos chega ( ) casar com Pafúncio ou ( ) casar com Dagoberto. O
questionário passa por corredores infindos, desde o “não casar com ninguém” –
podendo ou não incluir um “pelo menos agora” – até os parênteses com nomes de
todos os parceiros casáveis do planeta, mesmo um lavrador dos confins da
Escócia que nunca conhecemos; e desliza, no caminho, por um colorido gigante de
variáveis: viajar a estudos e ficar com um estrangeiro, voltar para a terra
natal e carregá-lo, morar lá por seis meses e cá nos outros seis, levar para lá
a família inteira, deixar todo mundo aqui e fugir com o cidadão para um país J.
Pinto Fernandes (que não tinha entrado na história), cansar do indivíduo e
abandoná-lo numa esquina de Taiwan, viver 37 anos sozinha no Tibete e não
conhecer absolutamente ninguém, jamais se afastar nem do próprio bairro (que
dirá do país) e reencontrar um amor de infância numa festa, reencontrar um amor
de infância numa festa e apenas passar a noite rindo dos velhos tempos,
reencontrar um amor de infância numa festa e descobrir que ele virou lavrador
nos confins da Escócia e retornou somente para visitar a mãe – mas, olha só,
não vai te deixar escapar de novo. Recém-explodi só de considerar meia dúzia de
enredos; a vida em si, que é enelhões de vezes mais abundantemente criativa,
implode se confinada a um Fla X Flu que lhe é imposto. A vida assenta sim, e
feliz, mas precisa escolher a toca. Precisa escolher de coração até a gaiola
onde já a prenderam.
Posso
frequentar os Vingadores, o CCBB, o festival de cinema iraniano e a Ilha da
Caveira, e ninguém tem nada com isso. Posso perfeitamente ser neorromântica
quase sempre e cismar de estar roqueira num fim de semana, e ir trabalhar no
dia seguinte vestida sob inspiração steampunk ou nerd ou medieval. Posso ficar
oitenta e dois anos dando aula de Português e puramente decidir virar
fotógrafa, atriz, artesã numa cidade do interior que não tem nem internet; ou lavradora
nos confins da Escócia. No que é possível e coerentemente variável, na mudança
que não é automutilação nem desesperança – mas, ao contrário, uma amplitude
maior de asa, para dar conta do muito que somos –, variemos. Alternemos estilo,
cabelo, moradia, profissão, literatura sem dar satisfação ao espanto do
vizinho, à intriga da família, ao motim do pessoal que só nos digere
previsíveis e nos teme flutuantes. Agitamos as penas e há espaço de voo? Está
tudo solto? está tudo certo.
A alegria é a prova que nos move.
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