Eu
estava lendo uma matéria divertida sobre absolutas inutilidades de infância,
que teoricamente amávamos: as famigeradas minigarrafinhas de Coca-Cola
(desconheço se alguém bebeu o conteúdo e viveu para contar), os pompons de
elástico que só serviam para crianças possuídas fazerem guerrinha em sala, as
molas coloridas cujo único propósito era dançar zuuuum para lá, zuuuum para cá
– e descer as escadas engraçadamente –, as flores com look roqueiro ou
jazzístico que rebolavam acompanhando o som local. Olhando para trás, fico
absolutamente besta com a quantidade de brinquedos isentos de objetivo, que
muitas vezes só tínhamos porque os outros tinham (desculpa para fazermos boa
parte das besteiras da vida, aliás). Não se podia criar quase nada com esses
produtos-bobagem, não havia muito gatilho para histórias, apenas repetições ou
contemplações que nos entediavam a jato. A mim, bem pouco fã de mecanizações, o
tédio vinha supersônico.
Honestissimamente:
me encantava milzilhões de vezes mais ficar a manhã inteira no quintal, criando
novelas e famílias com as folhas caídas dos oitis, do que me fazer acompanhar
por brinquedos Estrela sem quê nem para quê. Eu me autonarrava enredos com
fiapos de linha, com gotas d’água, com bonequinhas de papel por mim desenhadas
e recortadas de caderninhos e, claro, com bonecos e afins que configuravam
brinquedos “normais”. Mas os normais, para não serem enjeitados, tinham de
mostrar serviço: não adiantava ficarem encastelados nas próprias funções, duros
e inacessíveis, como bebês de porcelana e bonecos patinadores, engatinhadores,
cantadores, bolhinha-de-sabonadores, que brincavam sozinhos. Os toys tinham de
ser maleáveis para merecer atenção; e não digo “maleáveis” de macios, mas de
versáteis – tematicamente flexíveis o suficiente para que o brincador, e não a
brincatura, mandasse na parada. De que me adiantava um ser que só pudesse fazer
papel de meu filho chorão, se eu não queria fingir de mãe e só esperava que as
próprias bonecas casassem e tivessem filhos? Quanto me acrescentava um
brinquedinho que já fosse determinado
personagem, se eu só planejava insuflar em seus corpinhos meus próprios
personagens? Claro que eu não saberia dimensionar naquela época, mas é certo
que eu pretendia ter, com recursos de criança, uma das poucas formas de
liberdade sem interferências.
Ainda
sou a mesma brincadora de folhas. Já não saio saltitando pelo quintal (é pena),
porém sigo me recusando ao que pré-escolheram. Detesto frases e expressões que
vêm montadas de fábrica; abomino a previsibilidade dos conjuntos de roupas e
bijus – qual a graça de não eleger seu time particular de itens, sua harmonia
intransferível? –; nem looks de trabalho e saída escolho antes, para fugir à
tirania até de mim mesma. Gosto de brincar de escolher, de passarinhar, de
combinar o inicialmente incombinável, de me espantar com meu pedido no
restaurante, de escapar das teclas e trilhas repetidas, de ter o pensamento
docemente caótico e a agenda suavemente desorganizada. Curto nuances, listas
randômicas, possibilidades, alternativas. Curto me assombrar até fazendo, às
vezes, exatamente o que tinha imaginado.
Só não
me ponham para dançar zuuuum para lá, zuuuum para cá, binária e esperavelmente.
Não sou dessas que, para rebolar, aguardam autorização do som local.
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