A gente
digita a palavra e o Word sublinha, procura no Volp e não tem. É pena, porque
embora esquisitinha na forma é danada de bonita no conteúdo, e merecia com um
milhão de urgências estar na boca e na alma dos seres de língua portuguesa (e de
todos os outros). So-ro-ri-da-de. Pra já, pro minuto anterior, pra anteontem.
Em
inglês sempre foi comum, e desde meus tempos adolescentes de Brasas eu já sabia
muito bem que sorority é o
equivalente feminino da fraternity –
aquele tipo de comunidade, normalmente universitária, de vida e residência. Quem
já assistiu ao divertido Legalmente loira
ou ao fofildo Universidade Monstros
(ou a qualquer outra produção que inclua um bando de jovens sob a égide de duas
ou três letras gregas) saca perfeitamente do que estou falando. Mas isso é nos
lás; nos aquis, sororidade não designou alojamentos femininos, até onde sei, e
sim essa coisa linda do sentimento de irmandade e empatia entre mulheres. A
noção de que, por mais que tenhamos tido rumos e influências diferentes, somos
todas guerreiras da mesma terra e vítimas das mesmas idiotices culturais –
vítimas com altíssimo grau de resiliência mas fisicamente mais suscetíveis,
mais expostas, e por isso necessitadas de um pacto de lealdade protetora. Carecidas
de um abraço carinhosamente coletivo de gêmeas e parceiras.
Sororidade
é esquecer a conversinha mole com que tentaram nos dividir para conquistar –
aquela secular esparrela do “mulheres são competitivas, nunca são realmente
amigas umas das outras” – e sustentar que sim, temos as mais imbatíveis
fidelidades e as mais amorosas compreensões, talhadas na dor comum e nas
alegrias camaradas. Sororidade é combinar senha com as gatas do coração para
afugentar o paquera que ensaia cruzar os limites, ou mesmo trazer para junto,
com intimidade de infância, a desconhecida que gritou com o olhar “estou na
beirinha de uma cilada”. Sororidade é saber que estupro já é estupro
independentemente de “consumado”, que pode acontecer também nas casas do
Morumbi e sob o peso de uma aliança, que acontece inclusive em bordel ou com
garotas de programa, que NINGUÉM jamais o deseja ou provoca a não ser o
estuprador, e que TODAS as vítimas desse assassinato moral merecem a mesma
incondicionalidade no respeito e no acolhimento. Sororidade é não ter omissão
canalha, é se meter sim em briga de marido e mulher, é chamar a polícia e tocar
trombone e organizar apitaço ultrainfernal a qualquer menção de violência nos
arredores.
Sororidade
é cuidar de travesti e transmulher com a exata preocupação e ternura que teríamos
por nossa mãe ou filha. Sororidade é nunca, jamais, sob nenhuma hipótese
declarar que uma sister faz algo “como se fosse homem” quando se quer elogiá-la
(nem quando se quer – afetuosamente – xingá-la, porque sisters também se
xingam. Com fofura). Sororidade é não se prender a críticas do look alheio,
porque afinal ninguém é obrigado a seguir moda absolutamente nenhuma e, se a
mina quer sair de cabelo moicano verde e roupa de plástico transparente, e se
sente linda (ou sequer leva em consideração o estar linda), pessoa alguma tem
nadíssima com isso, nem tem justificativa para o mais leve desrespeito. Sororidade
é não explicar nenhum desassossego de (outra) mulher com TPM, é não desmerecer
nenhuma aflição tachando de frescura, é não deixar de acatar a legitimidade de
nenhum sentimento – mesmo sem concordar com ele –, é não pré-julgar, é não
condenar, é não ignorar toda a carga colônio-machista que pesa sobre nós para
não cair em sua rede maldita.
Sororidade é ser mulher tão de propósito que nem se cogita questionar
o direito de alguém o ser na mesma medida, ou em sua medida própria, porque
cada uma escolha sua posição dentro deste imenso e esplendoroso time. Em
sumíssima: não é assim tão diferente da sorority de manas do outro hemisfério –
já que, tão igualmente, não deixamos de morar dentro da fortaleza umas das
outras.
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