Me chame
para reunião de condomínio, fila de banco, venda de rifa na escola,
apresentação de fagote da tia-avó – mas não me chame para ver comédia. E não
porque eu seja emburrada e odeie rir; pelo contrário. Tanto gosto de rir que costumo
de-tes-tar comédia, ou seja: aquele troço que já foi feito e rotulado como
graça padrão, a “graça” estridente, caricata e exagerada que pode me dar pena,
raiva, tudo menos o impulso gargalhesco. Pastelão, pantomima idiotizante,
três-patetices que enfiam o dedo no olho e dão na cara do vizinho, american
pies e genéricos tosco-escatológicos, humor de bordão e repetição – vade retro!
essa bodega toda, que só me arranca náusea. Curto suavidades, por isso abomino
o texto grosseiro e óbvio como um sol de 48 graus direto na testa. Admiro as
sutilezas, portanto ninguém me espere no sofá para assistir a programa com
claque, que chuta a gente no fígado: hora de rir, sua anta. Principalmente,
estimo demais o livre-arbítrio – logo, sou tomada de revolta assassina ao ouvir
a desgracenta musiquinha de comédia, um dos cúmulos da manipulação. Como ODEIO
aquela trilha rápida, viva, engraçadinha
que berra “piada à vista”, manda ter tolerância e não levar a sério nenhuma das
informações contidas na sequência! Como ODEIO o desrespeito à nossa
sensibilidade e percepção! Com que gosto abandono a história ao menor indício
dessa sonoridade maldita!
Exagero,
vá lá: me julguem. Sou chata mesmo, e inimiga do histérico e do fosforescente. Mas
também sou capaz de rir possuída – só que do humor-agulha, fino, cerebral,
insuspeito nas brechas, elegantemente encaixado no contexto e não anunciado aos
ventos como grande estrela. O humor dos filmes de Ricardo Darín, por exemplo; o
de uma ou outra piadinha da franquia Marvel; o riso discreto presente em meu
amado Criminal minds (que, em sua
essência, é uma série de investigação psicológica e exibe alguns psicopatas de
perfil hardcore); a gaiatice imperturbável do historiador Leandro Karnal; a
exaltação impagável do professor Clóvis de Barros Filho – exaltação que não é,
porém, a finalidade do discurso, e sim mero instrumento do conteúdo filosófico.
Gosto do circunspecto humor britânico, tão mais divertido quanto mais sisudo;
gosto de Buster Keaton e Charlie Chaplin, mas não da alegria desvairada do
palhaço típico. Raramente rio do que é produzido com o objetivo primordial de
ter graça, ou de ter graça infantil. Há exceções, no entanto, entre os que são
humorísticos de propósito. Era inevitável a gente se escangalhar com Os Trapalhões dos tempos áureos, e hoje
em dia eu quase beiro a crise de asma com o excelente Tá no ar; nada como a inteligência docemente temperada de cinismo.
Dizem
que, sejam quais forem nossas características, a gente se agrava com os anos.
Pois me agravei: se já não era fã do escancarado, me tornei a Impaciência,
prazer em conhecê-lo. Criança tem abundância de vida pra gastar com bobagem,
como quem torra a mesada comprando pirulito; eu, que já passei da fase do tubo
de ensaio, prefiro mesmo um bom almoço, tempero cuidadoso e muita substância. A
vida corre e escorre demais para me desperdiçar com humor tosco – porque o
humor esperto nos guia, nos alerta, e o tosco nos desvia do assunto. O tosco ri
dos oprimidos e não dos opressores. O tosco não tem sutileza e chafurda em
preconceitos. O tosco é normalmente feito para neurônios em nível de desenvolvimento
pré-fetal.
Na dúvida: se tiver musiquinha de comédia, no mínimo desconfie. Graça
que é graça não toca a trombeta e, em geral, acontece quando a gente nem está
olhando.
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