Se tem
coisa que me dá irritação do tamanho dos Alpes é ver (e ouvir) gente falando, e
falando, e falando, e falando sobre assunto do tamanho de um parafuso. Não há
conteúdo real, somente a ruminação incapaz de silêncio – o trabalho mental que
não se contenta em resolver as paradas de um jeito rápido e indolor, daí ir
jantar e ver tevê. Nããão; o sujeito ou sujeita não quer abandonar o tema, não
quer refletir sobre o tema, quer apenas esticaaaar o tema ao máximo, por falta
absoluta de perspectiva ou absoluto excesso de ócio. E normalmente são questões
de um pretérito já mortinho, além de absurdamente desimportante: olha, eu não
disse que este era o metrô certo? Se a gente entrasse naquele que você queria,
ia acabar lá na estação Botas de Judas e a Pafúncia já ia ter mandado centenas
de mensagens revoltsss. É, mas esqueceu que a última vez que eu peguei metrô
foi em 1987? Falei mesmo pra você conferir tudo antes, pra não confiar muito na
minha direção, a responsabilidade era sua de qualquer jeito, pô. Sim, mas por
que você não se informou também, cara? Fica sempre tudo nas minhas costas, olha
a cagada que ia dar se a gente fosse na sua – e nisso os infelizes já estão há
43 minutos no metrô certo e o rame-rame não dá mostras de exaustão, tornando e
retornando ao início, fim e meio; quase algo místico, se não fora igualmente um
belo motivo de crime passional. Crime de minha parte, claro, que a essa altura terei
procedido à esganadura dos interlocutores, seguida de defenestração sumária.
Odeio
barulho; odeio barulho contínuo com duplo ódio; odeio
barulho-verbal-contínuo-sem-finalidade-prática triplicadamente. Feito flor,
vaso, gravura, escultura, a palavra expressa tem a prerrogativa de “não servir
pra nada”, de existir por pura cisma de beleza – se beleza há. Se não há, haja
ao menos utilidade propriamente dita, ou é ruído puro e vago, mera exasperação
da rotina. Palavra que não enfeita, que não encanta, que não comove algum
tanto, que sequer preenche lacuna não devia ter greencard de espaço sonoro; não
devia desperdiçar nossos intervalos entre casa e trabalho, entre serviço e
vida, entre fisioterapia e lazer, quando poderíamos estar em serenidade
reflexiva, em plena fabulação de criatividade. Certo, discutir o nada é
estratégia de sobrevivência ao encontro com o conhecido, a quem nem se pode dar
o silêncio da intimidade, nem o da indiferença. Mas, uma vez cumprido o contato
fático de bom-tom, para que persistir na conversa que gira, gira e não chega? E
se a relação é de declarada amizade ou amor decidido, para que buscar uma
conexão rasa e deixar fugir a profundeza do entendimento mudo? Para que
desidratar cordas vocais em nome do que já foi resolvido? Para que ganhar sede
mantendo o papo que não sacia?
Não sei
se por frieza ou cansaço, ando cada vez mais impaciente com o que é oco ou
inócuo. Não sei se pelo tempo rarefeito, vivo cada vez mais farta dos rumores
excedentes, dos barulhinhos que cobram e perseguem, dos monólogos que impedem a
leitura, da narrativa não solicitada que interrompe o brainstorm, das
interjeições gritadas que só acontecem por desrespeito ou histeria. Se há algo
realmente a ser dito, diga-se com o mínimo de danos, fale-se como quem não quer
maltratar o silêncio. Se é a abobrinha pela abobrinha, parnasianamente; se é a
voz apaixonada por si mesma, que remói e remói o leite derramado – melhor
calar, não danificar a paz alheia. Move on, meu povo: assuntos palpitantes nos
esperam na esquina, bora não decepcionar os pobrezinhos.
E,
quando os encontrarmos, bora não assassinar o sossego que por aí habita para
pô-los em seu lugar.
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