Sempre
curti programas ao estilo Esquadrão da
moda, desses que pegam um ser humano desmazelado e sem noção – que anda no
mercado de pijama, só usa modelito de dominatrix, coleciona peças de número
dezessete vezes maior ou menor, vai com camiseta do Bob Esponja aos casamentos
de família –, repaginam, repenteiam, remaquiam e voilà! transformam em capa da Vogue ou boniteza parecida. Gosto dessas
bobagens por justamente gostar de bonitezas: cores, modas, estampas, potenciais
finalmente explorados. Os ex-desastres fashion germinam, melhoram a autoestima,
arrumam crush, ganham promoção no emprego, param de matar os filhos de vexame na
porta do colégio, uma coisa maravilhosa. Então, se estão todos bem, que mal
tem, right?
Isso
penso eu mui candidamente, enquanto me divirto com as figuraças de um Mude meu look, e ainda assim não consigo
ignorar um pontinho de interrogação arranhando o forro da consciência. Ver
gente se gatificando é show de bola, mas o raio problematizador teima em saber:
por que mesmo que gente tem de ser gatificada?... Está provadíssimo que a
criatura fica alegre, e é melhor ser alegre que ser triste, e é mais fácil
descolar um job quando se põe camisa social e não orelhinhas de Minnie, e é
mais provável atrair um partner exibindo acessórios hype e não dentes de
vampiro. OK, é mais fácil e mais provável. E é precisamente isso que me
atormenta. Ao resistirem de início à intervenção fashionista, as vítimas
quicam, gemem: não quero ser modificada pelo sistema, não quero ser
profissionalmente avaliada pela aparência, não quero ter alguém que não goste
de mim pelo meu caráter e acabou-se. Pouco a pouco os apresentadores persuadem,
instigam, aconselham, fazem exercícios de interação que esfregam na cara o
quanto as pessoas são julgadas sim à primeira vista, pisam e repisam que para
aquele fracasso não tem jeito, o mundo é assim, o melhor para você – para seu
salário, sua causa, seus filhos, casamento, projeto, coração – é se encaixar. Aí
vai a moça (99,8% das vezes é uma moça) e, fazer o quê, se encaixa. Se encaixa
e diz que se encontrou, que aquela foi a melhor experiência de sua vida.
Tá bom
que sou chata e nunca neguei, mas me dói. Dói que quase sempre sejam mulheres
as examinadas, dissecadas, categorizadas e reformadas, ou seja: que quase
sempre sejam mulheres as inadequadas, as rebeldes ao formato de beleza que
chamaria os homens, as indiferentes ao modelo corporativo que não assustaria os
investidores, as fujonas do molde que confortaria os clientes. Claro, a mulher
não tem maior diversão na vida do que pensar em cobrir a raiz aparecendo
administrar secador fazer babyliss escolher esmalte suave batom vermelhão não! o
colar tem de ser discreto esse faz barulho o brinco não pode balançar passei o
corretivo direito? sumiu a espinha? vou colocar broche para diminuir o decote a
saia tem de ser no joelho jaqueta acinturada vai me valorizar preciso de
band-aid pra encarar o salto alto, antes de fechar negócio – enquanto o homem fecha
negócio basicamente tomando um banho, cortando a unha e enfiando um terno.
Homem
não se submete a transformações porque amigos o acusam de parecer piranho,
homem não tem o grisalho tratado como desleixo, homem não ouve dos parças que
fica abatido quando sai sem maquiagem, homem não tem de estar nem aí se está
mostrando peito ou coxa, não chamam homem de espandongado se acabou de virar
pai e só veste calça jeans e T-shirtão. Não posso portanto, mesmo que me
exponha à Palma de Ouro da apoquentação (who the hell cares?), ignorar o
desânimo que bate na aorta toda vez que nos vejo como penduricalho do mundo. Não
me lembro de ter firmado contrato que me obrigasse à sedução e ao agrado
compulsório. Não me lembro de ter assinado compromisso de bibelô ou almofada.
Não combinei com ninguém que iria adotar saltos e tintas destinados ao meu
corpo, à minha revelia. Não tenho culpa, amados todos, se quiseram decidir
nossa estética como quem nos trama um casamento de conveniência, nem lamento
quem estrebuchar no chão com crise de abstinência se não vir a rua enfeitada de
pingentes femininos. Se não gostarem, gentes, não olhem. Se dependerem de batom
e salto para aceitar um acordo de milhões, clientes, se tratem.
Cresçam,
fofinhos que ainda precisam de móbiles coloridos no berço. Lá pelos dez anos de
idade, já deixa de ter desculpa escolher um livro só pela ilustração.
Um comentário:
Eu adorava esses programas. Agora não consigo mais ver...
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