O Brasil não fala de outra coisa. Jornais nacionais, locais, regionais dão plantão permanente nos escombros, babando um pouquinho ao repetir: tra-gé-dia. Matérias repetidas over and over acerca do sobrevivente no elevador, do vazio formado, da poeira erguida, dos transeuntes arregalados, do trânsito caotizado, das buscas ininterrompidas, chamados irrespondidos. De tudo é o que mais dói: chamados irrespondidos. No meio de um desastre no centro do Rio, piores – três mil vezes piores que fogos, prejuízos, estrutura abalada, fumaça tóxica – são os buracos de silêncio que se abateram na região. Gente que falava no momento, que não fala agora, gente que deixou órfão de voz quem ficou do lado de cá das ruínas.
Nada me aturdiu mais que o caso do jovem marido, Victor, que papeava com sua Alessandra pelo MSN quando o desabamento os cortou. O pobre chorava na TV, suava o nervoso de não ter notícias da esposa, exasperava-se com a ausência de despedidas. Não, ela não saíra do prédio: não houve despedidas. E essa quase certeza de uma conversa morta, definitivamente morta sem o alívio das segundas chances, assassinava o coração do espectador ali, no tempo real da noite de quarta-feira.
Além de Alessandra tinha um Flávio – de casamento marcado após nove anos de namoro – que chegou a ligar para a noiva de dentro do ex-edifício. Um “oi, amor” e silêncio, silêncio, silêncio. Tinha um Daniel, que mesmo casado há um mês telefonava todos os dias para a mãe. Tinha pelo menos duas dezenas de bocas, duas centenas de dedos, cuja comunicação faz mais falta porque calou na maldade do susto. Porque não houve a agonia preparatória da doença, porque não houve a expectativa natural da idade; não houve nem o temor eterno pelo filho que é policial, o estado de prontidão pelo marido que trabalha em área de risco. Nem fumaça anterior, nem cheiro de gás. Nem mesmo (já é alguma coisa) a apreensão ante quedas de avião e afogamentos. Houve o súbito. O absurdo. O impensável. O nonsense. O horror de constatar que podemos morrer em perfeita segurança, confortavelmente teclando no MSN, sentadinhos no escritório. Podemos morrer sem a consideração de avisar os que permanecem. Morrer à traição.
Mais um motivo para vivermos de propósito – mas sem negligenciar despedidas. Não sabemos quando o celular vai ficar fora de área dentro de nossos escombros.
Nada me aturdiu mais que o caso do jovem marido, Victor, que papeava com sua Alessandra pelo MSN quando o desabamento os cortou. O pobre chorava na TV, suava o nervoso de não ter notícias da esposa, exasperava-se com a ausência de despedidas. Não, ela não saíra do prédio: não houve despedidas. E essa quase certeza de uma conversa morta, definitivamente morta sem o alívio das segundas chances, assassinava o coração do espectador ali, no tempo real da noite de quarta-feira.
Além de Alessandra tinha um Flávio – de casamento marcado após nove anos de namoro – que chegou a ligar para a noiva de dentro do ex-edifício. Um “oi, amor” e silêncio, silêncio, silêncio. Tinha um Daniel, que mesmo casado há um mês telefonava todos os dias para a mãe. Tinha pelo menos duas dezenas de bocas, duas centenas de dedos, cuja comunicação faz mais falta porque calou na maldade do susto. Porque não houve a agonia preparatória da doença, porque não houve a expectativa natural da idade; não houve nem o temor eterno pelo filho que é policial, o estado de prontidão pelo marido que trabalha em área de risco. Nem fumaça anterior, nem cheiro de gás. Nem mesmo (já é alguma coisa) a apreensão ante quedas de avião e afogamentos. Houve o súbito. O absurdo. O impensável. O nonsense. O horror de constatar que podemos morrer em perfeita segurança, confortavelmente teclando no MSN, sentadinhos no escritório. Podemos morrer sem a consideração de avisar os que permanecem. Morrer à traição.
Mais um motivo para vivermos de propósito – mas sem negligenciar despedidas. Não sabemos quando o celular vai ficar fora de área dentro de nossos escombros.
4 comentários:
essa tragédia mostra mais uma vez a incopetência do brasileiro, é uma coisa que poderia ter sido evitada
http://rocknrollpost.blogspot.com/
Concordo plenamente com o Guru foi incompetência de quem estava fazendo reformas ilegais no prédio, eles que devem ser culpados.
Ri muito da sarcasmo em "...babando um pouquinho..." É bem por ai, o ser humano sobrevive das desgraças alheias, afinal, que a de melhor que a desgraça do outro pra nos sentirmos afortunados, né mesmo?
Quanto à culpa infrigida nos outros comentários, as decisões de um nem sempre levam a consequência natural de estarmos vivos.
É o Brasil do improvisado e da imprudência.
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