quinta-feira, 30 de junho de 2011

X-tudão

Quando eu tinha seis anos... não, não ganhei um porquinho-da-índia, infelizmente – ou felizmente para o porquinho, que não morreu esmigalhado de fofura. Quando eu tinha seis anos, quando o mundo estava em 30 de junho de 1986, todos nós ganhamos um quitute doce, doce, doce para os cafés da manhã de segunda a sábado: estreava o Xou da Xuxa, berço de todas as lourices infantis na TV. Sim, antes já havia Xuxa e, consequentemente, já havia lourices; mas nada marcou mais uma geração do que aquela bizarrice colorida. Nave espacial, mosquito gigante (da época em que dengue ainda não era praga), tartaruga anã, querido Xuxo, aeróbica, ombreiras, botas, pompons, meninos contra meninas, não pode piscar, não pode rir, ilari-lari-lariê, pão, pão, pão, cartinhas, soldadinhas, smurfs, vai mandar beijo pra quem? She-Ra, He-Man, pra minha mãe, pro meu pai e pra você. Era desbundado, era insano. Era pura vida-é-mel.

Tive uma relação de amor e ódio com o Xou. Adorava invocar os poderes e a honra de Grayskull, mas me faltava paciência para o xuxismo: os beijinhos-beijinhos, a xaropada, o figurino, a histeria das tietes. Mãe me fez chuquinhas no cabelo em meia dúzia de festas e só. Também me irritava a mania de pôr garotos contra garotas (já então eu odiava as segregações, e, por sinal, achava os meninos ótimos companheiros de grupo na escola). Fora os desenhos do Xou – alguns –, o que eu curtia mesmo era Canta conto, Rá-Tim-Bum, as brincadeiras mambembes do Bozo, a simplicidade de Mãos mágicas. Este último programete, frugal toda a vida, eu esperava salivando: que desenho, recorte, colagem elas ensinarão hoje? Em compensação, sempre ganhei todos os discos da loura e sabia direitinho os hits principais, como quem bate ponto. No período em que havia música durante o recreio, meu encanto era pular a coreografia de “Tindolelê” pra lá e pra cá. Mais um! mais um!...

Mais um ano se passou, mais um, mais outro. De seis passei aos trinta e um anos, e o Xou, num certo 2011, completou suas bodas de prata com o Brasil. Tudo bem que eu quase não via, não gravava e (a ser sincera) não lastimei seu término. Não importa. Se a adultice traz algo de azul, é a gente ver tudo que nos trouxeram de azul. É reconhecer, nos gestos daqui da frente, as referências de lá de trás. Este post, devidamente, é a declaração de amor àquilo que não amei – da criança que no fundo sabe, amiguinha Xuxa, quanto era bom estar e brincar com você.

(P.S.: Se – ainda – quiser brincar com a gente, pode vir, nunca é demais!...)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Chave mestra

O poema preferido de minha irmã sempre foi a ode à fofura de Manuel Bandeira, o dulcíssimo “Porquinho-da-índia”: “Quando eu tinha seis anos/ Ganhei um porquinho-da-índia./ Que dor de coração me dava/ Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!” – e assim por diante, até a gente arrebentar de ternura. Apesar de amar o “Porquinho”, em termos de Bandeira eu tenho especial apego por outra guloseima, os versos de “Irene no céu”: “Irene preta/ Irene boa/ Irene sempre de bom humor.// Imagino Irene entrando no céu:/ – Licença, meu branco!/ E São Pedro, bonachão:/ – Entra, Irene. Você não precisa pedir licença”.

A figura de Irene, imagem de uma Tia Nastácia querida, materna, adorável, sempre me falou muito n’alma. Quero abraçar Irene, apertar-lhe as bochechas risonhas de ama-de-leite, cozinheira de perdições, contadora de histórias. Toda criança quer uma Irene. Por isso mesmo, nenhuma Irene pode ir senão para o céu, com honras de Estado.

Mas por que falo em irenes? Porque falo, na verdade, do sorriso que a recepciona. Hoje é dia do São Pedro bonachão de Manuel Bandeira, porteiro do paraíso, segundo a crença popular – o encarregado das boas-vindas aos recém-chegados. São Pedro, assim como Irene, é figura particularmente simpática; muito chão, muito gente. Exaltado, impulsivo, foi capaz das mais comoventes dedicações e de grandes tolices, foi peitudo e foi medroso como tantos de nós; foi todos nós, até achar seu lugar. Mais: foi abrir-nos lugar.

O que há de mais gostoso em São Pedro é justamente a missão de escancarar as portas. Seja por seus exemplos de amor às vezes desajeitado – mas sempre entusiástico –, seja pelo posto de promoter do céu. Somos todos irenes que lá chegam, porém fomos planejados para ser também pedros que recebem. Pedros que acolhem nos braços, que emprestam (aliás, doam) os ouvidos, que hospedam gratuitos, que orientam zelosos, que ensinam incansáveis. Pedros nunca exaustos de falar num sorriso – não importando nadíssima quem esteja do outro lado da linha:

– Entra, meu querido! Você não precisa pedir licença.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Com as duas mãos

A crônica da Martha na Revista dO Globo, domingo retrasado (19/06), apontava algo encantador em relação ao Japão: os nativos usam ambas as mãos para entregar-lhe o troco ou devolver o cartão de crédito, por exemplo. “Repare bem: entregar qualquer coisa com as duas mãos é uma reverência, não uma banalidade”, afirma a autora. Certíssima, Martha. Quando estendemos um único braço no cumprimento, já é ato de cordialidade e consideração; quando estendemos ambos, porém, e estreitamos de propósito a mão do outro entre as nossas, não o fazemos apenas para quem tem camarote vip em nossos afetos? como se nas mãos criássemos um berço pronto para recebê-lo inteiro – carinhosa, furiosa e incondicionalmente? Oferecemos uma das mãos para nossos pares; as duas, para os ímpares. Uma para nossa turma; ambas, para nossa realeza. O lado direito por educação; o direito e o esquerdo, por devoção. Principalmente o esquerdo.

Pois é com as duas mãos – e com quantas mais eu tivesse – que entrego este postzito à minha irmã aniversariante, hoje completadora de &%$# anos (não seria nada japonês revelar a idade de uma dama). Minha irmã que, desconfio, fez questão de chegar antes ao mundo para me receber nele com as duas mãos, e com quantas mais tivesse. Que tolera sua abusada caçula a filar-lhe doses de shampoo, bocadas de lanche e goles de chá, e tantas explicações de matemática no passado, e tanta tinta de impressora e tanto socorro com o computador que, meu Deus do céu, está agindo tão estranho! no futuro. Irmã que com vossa licença, leitor, não entrego a mais ninguém com mão nenhuma, ninguém tasca, ora se...!

A você, maníssima, vai a homenagem tão menorzinha que troco de iene, tão menos poderosa que cartão de crédito, mas ainda assim ofertada sem os limites numéricos de um e outro: simplesmente porque. Porque nos foi dado começar e prosseguir, sempre, lado a lado.

Principalmente do esquerdo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Senhores passageiros

Não sei vocês, mas eu adoro quando um daqueles vendedores adentra o ônibus onde estou e se põe a propagandear seus produtos (desde que não nos intimide a aceitar as “amostrinhas” que seremos, depois, obrigados a devolver constrangidamente). Devo excelentes canetas – com folhinha e tudo! – a essas visitas. Mas o que mais me agrada é o ritmo da cantilena: “Senhores passageiros, primeiramente me desculpem por incomodar o silêncio e a tranquilidade de sua viagem... Venho trazer para os senhores...” – e dá-lhe descrição de benefícios maravilhosos e preços incríveis, que sempre parecem mais coloridos numa oportunidade inesperada. Gosto muitão da lista de valores: “Bala de menta, um real... Bala de tamarindo, um real... Amendoim, dois por um real...”. Pelo compassar arrastado, de voz exausta, acabo inevitavelmente relaxando. O rame-rame funciona como mantra involuntário.

Comove-me bastante a preocupação (ainda que burocrática) de pedir desculpas por nos roubar o silêncio. Eu, uma silenciólatra, com muitíssima relutância divido bancos de metrô com mp3s nas alturas, acompanho conversas que não gostaria, sou azucrinada pelo telefone que não para, recebo tapas do carro da pamonha, do verdureiro, do vassoureiro, do ferro-velheiro, do camelô aos berros, da buzina que não pede passagem. Cidade é um estupro auditivo. O vendedor de ônibus, não: pode aborrecer alguns, porém mostra uma consciência tão humilde desse fato, abre caminho de jeito tão cavalheiro, que lhe cedo de bom grado uns instantes de atenção. Às vezes, uns trocados a mais. Compro a caneta de três cores, mas pago pela delicadeza com que me furta um dos bens mais preciosos. Pago pela consideração de me invadir com um “por favor”.

Em tempos de calamidade, já é alguma coisa.

domingo, 26 de junho de 2011

We are family

Não quis comentar na postagem de ontem porque preferi um parêntese fofo. Na mesma reportagem do Jornal Hoje que tratou do boom de casamentos no Japão, a camiseta de um rapaz entrevistado me deixou perplexa. Trazia estampado um monstrinho preto, cabeludo, ao lado de sua palhetinha de pintor. Poucas pessoas de 31 anos o reconheceriam, mas esta é a vantagem de ter irmã nove anos mais velha: vivem-se duas infâncias, nasce-se em duas gerações. E, por causa da infância dela – que se derramou pela minha –, tive a delícia de reencontrar ali meu velho amigo: um dos integrantes da família Barbapapa. Santa ploquice japonesa, Batman!

Os Barbapapas, chiquérrimos, nasceram em Paris (o nome de família vem do termo francês para “algodão-doce”) e protagonizaram animaçõezinhas saborosas no fim dos anos 70, exibidas pela Globo, além de ganharem um LP que escutei – querendo ou não – vezes a fio. Apesar do formato, eram joões nada bobos: o casal de adultos (Barbapapa e Barbamama) tinha sete rebentos coloridamente felizes, verdadeiro arco-íris de energia. A cada barbinha era atribuída uma característica: Barbabela (lilás) era a vaidosa; Barbaclic (azul), o cientista; Barbacuca (laranja), a estudiosa; Barbalala (verde), a musical; Barbaploc (vermelho), o esportista; Barbazoo (amarelo), o ecológico; e Barbatinta, que enfeitava o peito do transeunte japonês, o artista. Muito meu favorito, Barbatinta era apresentado pela narração do disquinho como o “único peludo numa família de pelados”. Adoro até hoje o trecho da canção que o descrevia: “É preto e como adora ser pintor! Às vezes tem manchinhas de outra cor...”.

Contentes em sua diversidade, os barbas eram hábeis numa coisa em comum: “mudar de forma e jeito”. Moldavam o próprio corpo a seu gosto e, sempre unidos e solidários, ajudavam-se (e aos outros) nos mais variados perrengues. Franceses de alminha elástica, brasileira. Uma curiosidade era a escolha da cor do patriarca, talvez inviável em nossos dias de vigilância e maledicência: “Barbapapa é cor-de-rosa, é mais rosado que uma rosa...”, dizia a musiquinha com a inocência que os anos não trazem mais. Ninguém se impressionava. Tento adivinhar a recepção que esses versos teriam, por exemplo, entre os baixitos da creche ali da esquina.

Mas isso é assunto para um próximo Darwin.

sábado, 25 de junho de 2011

Fundamental é mesmo o amor

Em 25 de junho de 1967, há exatinhos 44 anos, realizou-se a primeira transmissão mundial de TV ao vivo, via satélite. O programa escolhido? Quatro meninos de Liverpool cantando para o planeta: “All you need is love”.

Não poderia ser mais simbólico. O primeiro grito internacional da telinha, em tempo real, foi como o raminho de oliveira que a pomba de Noé trouxe de viagem. Há vida depois do dilúvio, há verde, há seiva; os escombros da grande enchente, os muros que repartem cidades, as guerras quentes e frias não têm a última palavra, não escrevem o verbete do mundo. No fundo, no fundo, quando o troço aperta, quando um totem o representa, quando se precisa escolher algo que defina “mundo” pra levar a uma ilha deserta, quando é urgente a mensagem para um bem-sucedido contato imediato de terceiro grau, é no ramo de oliveira e na música dos Beatles que a gente se agarra. Love is all we need.

Bacanamente, a reportagem do Hoje de ontem veio ao encontro dessa (feliz) impressão. Poucos meses após o desastre sísmico e nuclear, os japoneses andam flertando, namorando, se enroscando, casando como nunca. Simplesmente sacaram (evoluídos que são) que a vita é brevis, que pode não haver tempo para tanta workaholiquice gerar um futuro maravilhoso, que altas tecnologias se lascam no primeiro terremoto, que o planeta pode não cumprir o prazo de carência exigido por sua tradicional timidez para entabular uma relação. É possível não haver mais chance depois da próxima esquina. E o que fica? Computadores, orgulhos, imóveis, heranças, nheconhecos eletrônicos não são. Fica o que os Beatles cantaram, repetiram, cantaram, repetiram. Fica o que toda criança já decorou ao ler O pequeno príncipe: o essencial que é invisível aos olhos. Fica o pretinho mais básico do coração; a roupa de missa que a gente usa por dentro; o que a gente é, na mais filtrada forma.

Como diria minha tão querida Martha (e toda vez que eu aqui disser “Martha”, é a Medeiros): “Paciência para aquilo que vale nossa dedicação. Pra enrolação, atalho”.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Uma voz que grita no deserto

Assim era conhecido o comemorado de hoje, São João Batista. Sempre gostei da definição. Por identificação, talvez. Quer mais deserto e barulhinho cricrilante de grilos do que professor fazendo pergunta em sala de aula?

Quisera eu, porém, ser voz macha que nem João, que nem os joões que perambulam aí no mundo, denunciando aos brados, em negrito, em caixa alta; discordando, analisando, investigando, importunando, amofinando falcatrueiros com e sem mandato, botando a cabeça em risco de terminar numa bandeja. Os jornalistas que escarafuncham, os promotores que intimam, os policiais que enfrentam, os juízes que peitam, os consumidores que reclamam, as testemunhas que relatam, os fotógrafos que retratam, os professores que passeatam, os missionários que vacinam, os seringueiros que encaram, os ongueiros que resolvem, os honestos que devolvem. Gente que faz – barulho. Barulho do bem. Que deixa os tímpanos a salvo de iPods alienantes (metáfora! metáfora!) e passa o dia estourando tímpanos alheios – os certos –, perturbando sonos que, teoricamente, não deveriam transcorrer em paz.

A João, aos joões e joanas deste mundo, um viva! Que as veredas se aplainem, que os desertos escutem, que a mudez da resposta não os detenha. Vida longa e próspera aos tão totalmente apaixonados pela vida que fazem da própria morte um mero detalhe.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Chegadas e partidas

Outro dia visitei um blog (http://dontbalela.blogspot.com) e me deparei com a frase da owner Mari Noli: “Minha mãe me ensinou a chegar e a sair”. Herança rica por demais. Chegar e sair como se deve não é para qualquer um. Lembrei a cena de Tomates verdes fritos em que uma personagem consola a outra pela morte da amiga muito amada: “Ela era uma dama, e uma dama sempre sabe a hora de ir embora”.

Chegar a uma relação requer tato, olfato, algumas caixas de lenços, coração de janelas abertas. Sair dela pede tato em dobro: é preciso pisar leve para não espantar o passado feliz – pra não deixar a autocomiseração e a partilha de CDs virarem deselegância.

Chegar a uma festa ou restaurante sozinha: pesadelo das mulheres. Bobagem. Quem é mais si-mesma não carece de burcas metafóricas. Veste-se da própria pele na versão último tipo, entra, arrasa e sai sem uma gota de álcool ou flagrante de Facebook a mais, sem um amigo ou paetê a menos. Absoluta.

Chegar ao outro para confortá-lo implica em ouvidos on e celulares off. Sair de um chato exige um mínimo de molejo e artes dramáticas. Chegar ao pódio deixa um rastro de suor e feriados perdidos. Sair de uma carreira fossilizada demanda britadeiras (hábito é coisa dura, mas seus cacos dão bons degraus). Chegar a uma cidade – melhor se faz com malas e expectativas pequenas, paciência e gentileza colossais. Sair dela: também. Com a diferença de dois ou três suvenires.

Para chegar ou sair é preciso sumamente: leveza. Leveza de si. Para despir as neuras na portaria e lá deixá-las depois, dentro da caixinha dos achados – mas não necessariamente perdidos.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Facebook-me

Em recente reportagem, a Nova declarava: o Facebook é a nova aliança de compromisso. Moças namoradoiras já não esperam um pedido formal de sua mãozita, caixinhas de veludo da H. Stern ou convite para almoçar nos sogros. Para terem certeza de que a balada de sábado e o jantar de ontem foram promovidos a namoro, acompanham pressurosas o status do príncipe na rede social. Elas e a torcida da seleção. O gajo congelou no “solteiro”? 4.059 donzelas curtiram? Move on, baby. Assinalou “amizade colorida”? Cautela e caldo de, hum, galinha. Mas se o relacionamento oficial está lá, sacramentado no perfil, alvíssaras! Resta saber, claro, se a boa-nova é endereçada a você.

É muderno, sem deixar de ser estranho e algo perverso (já tem até aplicativo para as “secadoras” ficarem monitorando os perfis dos pretês até que eles voltem à solteirice). A mania, a urgência de “viver em voz alta” não combina com a fragilidade de um início de namoro, momento delicado de broto nascendo, sujeito a número incerto de idas, vindas e intempéries. Pobres moços e moças que precisam dar conta de seus sentimentos àqueles de cuja conta os sentimentos não são, ainda que mães, pais, colegas de biriba ou amigos de infância. Pobres relações, quantas, natimortas porque o sujeito teve dor de barriga ou não pagou a conta da Velox. Não facebookou a declaração a tempo, a fila andou. Ou então porque a sujeita, toda paixão, pirou no status de “noiva” sem avisar ao respectivo. Relações com gente espiando no ombro. Relações berradas aos quatro cantos, em instante que deveria ser de sussurro. Relações que não leram Mário Quintana: “Se tu me amas, ama-me baixinho/ Não o grites de cima dos telhados”.

Amar demora, e saber disso demora mais que folhinha de criança esperando o Natal.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Subir pra baixo

Passeando nesses sites americanos de cartões virtuais, a gente descobre que tem data pra tudo – inclusive (ou principalmente) pras comemorações mais bizarras. Este mês já teve Dia do Dinossauro, Dia de Abraçar Seu Gato (sim, o quadrúpede), Dia do Sorvete... Hoje é o Dia do Menos é Mais (Less is More Day). Pelo menos um momento para se tomar vergonha na cara e cortar os colesteróis que entopem a vida.

Claro que nem todos os excessos são poluentes: educação, afeto, grana, respeito e semelhantes delícias merecem janela maximizada, sempre. No mais, a cortação é normalmente bem-vinda e necessária. Menos desculpa para não começar o regime. Menos culpa por (uma vez na vida) quebrá-lo. Menos gente aglomerada na porta do metrô. Menos fumaça de cigarro alheio. Menos fumaça. Menos cigarro. Menos decibéis. Menos celulares tocando funk. Menos celulares tocando. Menos celulares. Menos Nextel. Menos saruel. Menos regras de hífen. Menos redutos de glúten. Menos relógios sem número. Menos reuniões. Menos gerúndios. Menos salsa (de comer). Menos manga (de vestir). Menos “e ses”. Menos siglas. Menos malas. Menos vírus. Menos carimbos na mesa. Menos Jogos mortais. Menos redes sociais. Menos didatiquês. Menos fashionês. Menos politicorretês. Menos figurinhas (figuraças?) do Restart. Menos filmografia Crepúsculo. Menos dublagem. Menos 3-D. Menos lançamentos. Menos documentos. Menos mimos. Menos manhas.

E: mais manhãs, mais sábados, mais legendas, mais suco, mais salsa (de dançar), mais manga (de comer), mais “e quandos”, mais aeroportos, mais carimbos no passaporte, mais papel de carta, mais papel de presente, mais joaninhas, mais bicicletas, mais amendoim, mais fitas de cetim, mais redes de varanda, mais bochechas (especialmente as que vêm acompanhadas de bebês japoneses), mais cerejeiras, mais dentes-de-leão, mais Abba, mais Beatles, mais Broadway, mais Machado, mais Manhattan, mais Montmartre, mais Swarovski.

E mais Kopenhagen, que ninguém é de ferro.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Estive em Paris e lembrei de você

Quem não viu, veja. Meia-noite em Paris, o mais recente Woody Allen, já é um dos filmes mais suculentos do ano. A enxurrada inicial de imagens da cidade (eu digo enxurrada mas é algo lento, mastigável, sem-pressamente francês) valeria a ida por si só, mas ainda estão lá: a gagueira do protagonista, a alegria de esbarrar com um Fitzgerald, um Hemingway ou um Picasso a cada esquina – e não falo aqui de suas obras –, a música de Cole Porter, a luz de Marion Cotillard, o casal republicano, o casal em crise, a festa com a Torre Eiffel ao fundo, o roteiro amanteigado, a suspensão total da descrença, a participação rinocerôntica de um Salvador Dalí (“Dalíííí!”) engolindo a cena na pele de Adrien Brody.... Não se sai senão satisfeito, tomado, embebido da capital francesa mas também de um olhar generoso sobre nossa própria moradia e época. Sai-se distribuindo je’taimes e ulalás.

Mas não vou repisar a tecla de que o filme mostra o quanto nos projetamos em outra era como se fosse o tempo ideal, a nossa Idade Ouro, em detrimento da fase histórica que nos foi dada (a felicidade “está sempre apenas onde a pomos,/ e nunca a pomos onde nós estamos”, diria Vicente de Carvalho). Está mais do que (bem) dito por todas as críticas, e o post de ontem não deixou de contemplar o assunto.

Quero, antes, mandar um beijo à personagem Gabrielle, um verdadeiro “J. Pinto Fernandes” no roteiro de Woody – aquela que, aparentemente, não tinha entrado na história. A discreta, tímida vendedora aparece pouco, mas bem. Não tanto por sua atuação, que nada tem de mirabolante, e sim pela delicadeza. A certa altura, a moça diz a Gil (papel de Owen Wilson), a quem só viu duas vezes como cliente, que se lembrou dele porque chegara à loja um novo disco de Cole Porter. O protagonista retruca que gostou de ser lembrado por esse motivo.

Quem não? Lembrados pelo que amamos, lembrados pelos pequenos interesses ou grandes paixões, lembrados pela aparência que temos por dentro – isso é o que todos esperamos ser, de preferência por quem supostamente não nos conhece, mas deu o passo mais certeiro neste sentido. Nem sempre teremos Paris como refúgio; porém, God allows, sempre teremos uma Gabrielle para nos hospedar gratuitamente na memória e compartilhar o gosto pela chuva. Bonne chance!

domingo, 19 de junho de 2011

Amo muito tudo isso

Última página da Criativa de abril, entrevista ao estilo “jogo rápido” com a cantora Tiê. A pergunta (ótima): “O que você tem amado ultimamente?”. A resposta (bárbara): “A minha idade”. Fiquei fascinada. Quantas mulheres de 31 (por feliz coincidência, a idade da cantora é a mesma que a minha), 15, 23, 40, 18, 57 responderiam isso? Pelo visto, além do nome e da voz, nossa Tiê tem alma de passarinho.

Amar sua idade é respeitar-se. Ter (com)paixão pelo febril e pelo maduro de seu momento. Não ter saudades do vestibular nem esquecer a sede de ser calouro. Chorar em público pelo primeiro amor e declarar-se em público para o último. Deixar a saia crescer da coxa para os joelhos com a mesma alegria. Ter lido Capricho, ter passado à Marie Claire, ter voltado à Capricho para discutir com as filhas. Não fazer dieta de épocas, cortando-as do cardápio de memórias: renegar sua idade, atual ou já tida, é renegar amores que com ela vieram – amores aos quais só se chegou pisando em certos paralelepípedos de anos, aqueles anos, não outros. Renegar sua idade é fazer regime de si mesmo. Somos o que fomos.

(Rugas, espinhas, gesso, band-aid, lenços molhados e afins são só efeitinhos colaterais da delícia de descobrir o que seremos.)

sábado, 18 de junho de 2011

Piuí, piuí, piuí abacaxi

Acho graça quando chegamos à estação final e o condutor fala ao microfone: “O Metrô Rio agradece pela preferência e deseja a todos...” um bom dia, boa tarde, boa noite. Acho graça porque “preferência”, até onde sei, é um favorecimento entre iguais. Sugere a possibilidade de escolha entre um elemento e outro de mesmo calibre. Disputa justa.

Preferência em relação a quê, cara-pálida? Seria frase adequadíssima se houvesse pelo menos dois metrôs. Duas empresas concorrentes, trajetos distintos, brigando pelos melhores carros, acomodações mais confortáveis, menor intervalo entre as composições. Não há. É a bodega de sempre; como bem diria Dicésar, “o que tem pra hoje”. O máximo que “preferimos” é viajar de pé, esmagados, sem fumaça no nariz, a viajar de pé, esmagados, com fumaça no nariz. Dado o número de paradas do trem para “aguardar a liberação do tráfego à frente”, suspeito que até engarrafar o bicho já engarrafa.

O plano divulgado na TV é de novos carros com pinta de trem-bala, ar modernoso, uma beleza. Ah, e menos assentos. Para que tantos assentos, não é verdade? Coisa tacanha, essa ideia de viajar sentado. Atravanca o vagão e impede o devido esmagamento de mais 117 ou 118 infelizes. Normalmente já não tenho certeza se salto com meu próprio braço ou com o alheio; na futura configuração, periga algum distraído levar meu olho esquerdo embora. Se é que já não anda passeando por aí com ele. Ou são os graus de miopia que me embaraçam na hora de admirar a justeza do aumento da tarifa – imposto sadomasô que mais pagamos quanto mais as portas do metrô nos batem, nos tafulham, nos espremem, nos jogam na parede, nos chamam de lagartixa?

De qualquer forma, se eu começar a escrever visões díspares sobre um mesmo assunto, já tenho um álibi.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Uma viagem pra chamar de sua

Isso é coisa que todo mundo deve ter. Pelo menos uma, pelo menos uma vez. Não precisa ser grandiosa – Paris, Londres, ilhas gregas –, não precisa ser “descobricionista” – Índia, Tailândia, Patagônia. Basta ter sido sua, basta você ter estado lá inteiro. Férias numa fazendinha de Mendes, lua de mel em Itatiaia, casa da avó em Seropédica, escapadinha para Caxambu, show de rock em São Paulo, vale até veraneio na Barra da Tijuca. Um dia, um finde, semana ou duas. Interessa é você guardá-la como espaço que foi infinito em espaço infinito de tempo.

Eu, por exemplo. Tive a ventura, nunca suficientemente agradecida, de 17 ou 18 dias em terras de Mickey, sonho de que não se acorda nem com beijo de príncipe ou britadeira sob a janela, ou ambos. Cinco anos depois, o mesmo gosto de cloro e canela (cheiros de Orlando) na pontinha da língua. Mas quatro dias em Cabo Frio, logo ali ao dobrar a esquina, também trouxeram o paraíso de Sedex. Que o coração não mede a felicidade em quilômetros, folhinhas, nem está a par dos cifrões de real ou dólar. Real, para ele, é o mar salgado e frio finalmente aceito como amigo, tão amigo, tão delicioso como os fogos do Wishes no Magic Kingdom. E na verdade é isso: viagem da vida precisa ter fogos de artifício. Independentemente do fora. No dentro.

Para quê? Porque a saudade feliz ilumina o hoje. Quem você foi de mais feliz, onde quer que tenha sido, era você de verdade. Cada viagem perfeita que recordamos é um relicário de nós mesmos, afastados de toda a poluição. Viajamos não para curtir e voltar pra casa. Viajamos para conhecer, fora de casa, um eu para quem devemos voltar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Silence is golden

Última moda do governo: o tal do sigilo eterno. O que deve ou não deve ser wikileakado para os reles mortais. Nesse caso, a decisão é moleza: tudo. Tudo, não importando o grau de comprometimento e sujeira (aliás, até por isso mesmo), é digno de desfilar a céu aberto sob os olhos de quem precisa aprender o Brasil. Mais do que na hora de perdermos a "tutela cordial" que não pedimos, o olhar inocente – no mau sentido – que nos colore a história de imprecisões aquareladas. É o que é, foi o que foi. Existe verdade que não possa, aqui literalmente, sair do armário?

Não na esfera pública. "Pública" não tem esse nome à toa. Em termos privados, já são outros (mil e) quinhentos. O que é que não deve deixar o sigilo eterno de dentro da gente?

O sapo que você deglutiu e nunca mais regurgitou. Vai trazer o batráquio à tona por quê? Dias, anos, décadas depois, você vomita o ressentimento jamais digerido, e nem sempre em cima de quem o enfiou goela abaixo: vomita em cima da vida. Ainda que fosse sobre o verdadeiro culpado, não há bom resultado possível. Até porque ninguém engole nada sem o mínimo de participação no engolimento. A mágoa mofou, passou da validade. Jogue fora o arquivo na primeira lixeira, antes que isso atinja um olho.

A declaração de amor jamais feita. Aí depende. Não é questão de tempo, é de sensatez. A criatura mal lembra o seu nome, está feliz, aliança na mão direita ou esquerda, filhos na creche, neto no colo. Deixe de megalomania, sua irrealização não tem carta branca para destruir um mundo. Mate a ideia, vá ao cinema e agende excursão para Foz do Iguaçu.

O xingamento travado a tempo na garganta. A revelação de que você foi apaixonada pelo marido dela. A mania constrangedora que você descobriu do marido dela. O "eu preferia nunca ter nascido" que por um triz não bateu na cara dos seus pais. O ímpeto de bater na cara do seu chefe. A crítica que não acrescentaria nada e talvez cimentasse uma carreira. O deslize não proposital que seu colega deu na carreira, anos atrás.

Qual o benefício de exumar uns tais cadáveres? Coisa nenhuma. Que saiam de vez da vida e vão apodrecer na história.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que ensinamos sem nós

A revista não estava lá essas coisas, mas tinha entrevista com Glória Pires. E uma frase que fiquei ruminando, quando a atriz falou sobre a mãe ou o pai que morrera: “Sua ausência me ensinou muito sobre mim mesma”.

Fantástico. A gente tem mania de achar que precisa estar (oni)presente, tropeçando no aluno em potencial, debruçando em seu ombro, tagarelando em seus ouvidos e atazanando-lhe a paciência para que o infeliz, seja quem for, aprenda alguma coisa. Estudante, amigo, filho, irmão, marido. Amamos considerar indispensáveis nossos esforços conscientes, nossa dedicação e insistência, e ainda suspiramos com desânimo: “Se eu não falo milhares de vezes, ele não entende!”, ou: “O que seria dessa criatura sem mim?”.

Sem você, a criatura será ela mesma pós-você. Às vezes, durante você, ela terceirizava sentimentos e responsabilidades. Para que se lembrar do remédio, se você lembrava? Para que absorver a matéria, se você a repetia toda aula do mesmo jeito, over and over? Mas, se você fez direitinho o seu trabalho, sua ausência deixará que aquele ser descubra se aprendeu ou não. Caso se sinta saudoso, mas não perdido, parabéns: o ensino não virou dependência. Professor bom é o que ajuda a não sofrermos sem ele.

(E que, é claro, nos deixará sempre tempo ou lembrança disponível para alguma aulinha de recuperação.)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Tomo banho de lua

Olha lá ela de novo – balofa, quase inteira, linda, linda, branca de cegar. Lua crescente, véspera de cheia. Ando na rua duplamente embasbacada: hipnotizada por ela, bêbada dela, e besta que ninguém mais pareça tão impressionado. Que âncora pesará sobre as cabecinhas que não se erguem? Gente, olha ali. Ali, céu limpo, nada de nuvens, nenhuma desculpa pra não notar. Na sua frente, enorme, olha! E o pessoal vem, vai docemente atarefado, encarando com excessiva naturalidade a beleza explícita.

Desde pequena fico aturdida com ela. Permaneço suspensa naquela redondice brilhante e nos pontinhos das estrelas. Céu estrelado me embevece a ponto de eu caminhar de maneira temerária, prestes a beijar o primeiro poste. Uma boniteza que faz sofrer, porque não quero terminar de olhar e sei que a noite bonita termina. Que pena, que pena que a maioria acha comum uma beleza normal. Porque, claro, ter lua e estrela penduradas no céu é absolutamente normal. Mas achar (qualquer coisa) comum é tirar-se a chance de esbarrar por aí com o extraordinário. Olhos encostados no hábito não veem o extraordinário. Olhos embaçados não se deliciam. Contam com a sorte de (não) ver isso tudo de novo amanhã. Como diriam as chamadas da Globo para a série – olha que nome propício – O astro: será?...

É bom fazer por merecer aquilo de que ainda vamos sentir saudade.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Simpatia é quase amor

Não, gente, não adianta. Amofinar Santo Antônio tirando-lhe o menino e pedindo resgate, plantando-o de ponta-cabeça dentro da tina d’água, encarnando o Capitão Nascimento e mandando trazer o saco. Também não vejo o quão romanticamente vantajoso pode ser esfaquear uma bananeira ao cair da noite, mergulhar 3.454 nomes masculinos numa bacia (e se todos os papeizinhos abrirem? funda-se um harém?), acender 88 velas cor-de-rosa ou tomar chazinho da cueca do amado. Quer simpatia que funcione? Use aquela que faz jus ao nome que tem.

Porque o nome é coisa bonita: “simpatizar” é “sentir ao mesmo tempo”, sofrer junto, viver junto-misturado, fazer do pathos do outro o seu próprio. E, se tem um truque no mundo que adiante para arranjar amor, é amar primeiro. Ou quase-amar, simpatizar e deixar-se “simpatizável”. É guardar cada palavra dita em estojo de veludo, para depois dar o presente do “eu lembrei” (embora convenha jogar as palavras estragadas fora, para não se cair na tentação de lembrá-las também). É escutar com coração infinito, mesmo se rolar desabafo na véspera da entrega do relatório. E olhar infinitamente enquanto se escuta. É vestir a mesma camisa e torcer pro mesmo time – o que não impede o encontro entre botafoguenses e tricolores, por exemplo, já que não estou falando aqui de futebol.

Acontece que essa simpatia requer a mesma fé da outra (a da bananeira ou do papelzinho). Fé não de que aquilo dará certo, mas de que o que se quer é o “certo” a dar. Porque teatralizar simpatias atrás de um “bom partido” não funciona. Simpatia não é trocar de roupa pelo outro: é usar sua melhor roupa pelo outro. Se estiver confortável e inteira em sua própria pele, honesta de querer e sentir, pode crer que Santo Antônio vai ter a maior satisfação de dar uma forcinha. Aliás, não só ele. Coração pra cima, todo santo ajuda.

domingo, 12 de junho de 2011

Fly away



Não deu para fazer como meu Fábio e seu blog Maracanices: inaugurar o Lugarzito em meu aniversário. Pretendi. Queria. Mas aniversário todo mundo sabe como é: o trabalho não para por causa da comemorice, e a comemorice não para por causa do trabalho. Acabou que não teve jeito. No fim da comemorice e do trabalho, sobrou pouco dia e pouca eu.

Fez mal? Nada. Até gostei. Mais um motivo para cortar a faixa em data não menos simbólica, este fofo e pelúcio 12 de junho. Então escrever – e escrever com a macia liberdade de um blog – não é convidar palavras adversas a conviverem, se estudarem, se roçarem e finalmente consumarem sua união improvavelmente musical? Escrever não é pôr ideias pra namorar, fecundar-se, parir textos, pensamentos de ler? Escrever não é o produto da cabeça fazendo amor com o mundo? Pois não é? Que seja: escrever é namoro longo, blogar é flerte diário, reconquista eterna, com o que a reconquista mais tem de flor, de nuvem, suco gelado ou ar fresco. Escrever é (como diria João Cabral) catar só o que boiar. Escrever não é moleza – é leveza.

Que este meu Lugarzito seja o que for, mas seja leve. E que a internet lhe seja leve, que é o que desejamos para todo namoro que nasce, trocando “internet” por “mundo”. Felicidades a todos os três leitores, aproveitem o coquetel de inauguração e que este 12 de junho deixe na boca dos namorantes um gostinho de balão azul.