
Nada me aturdiu mais que o caso do jovem marido, Victor, que papeava com sua Alessandra pelo MSN quando o desabamento os cortou. O pobre chorava na TV, suava o nervoso de não ter notícias da esposa, exasperava-se com a ausência de despedidas. Não, ela não saíra do prédio: não houve despedidas. E essa quase certeza de uma conversa morta, definitivamente morta sem o alívio das segundas chances, assassinava o coração do espectador ali, no tempo real da noite de quarta-feira.
Além de Alessandra tinha um Flávio – de casamento marcado após nove anos de namoro – que chegou a ligar para a noiva de dentro do ex-edifício. Um “oi, amor” e silêncio, silêncio, silêncio. Tinha um Daniel, que mesmo casado há um mês telefonava todos os dias para a mãe. Tinha pelo menos duas dezenas de bocas, duas centenas de dedos, cuja comunicação faz mais falta porque calou na maldade do susto. Porque não houve a agonia preparatória da doença, porque não houve a expectativa natural da idade; não houve nem o temor eterno pelo filho que é policial, o estado de prontidão pelo marido que trabalha em área de risco. Nem fumaça anterior, nem cheiro de gás. Nem mesmo (já é alguma coisa) a apreensão ante quedas de avião e afogamentos. Houve o súbito. O absurdo. O impensável. O nonsense. O horror de constatar que podemos morrer em perfeita segurança, confortavelmente teclando no MSN, sentadinhos no escritório. Podemos morrer sem a consideração de avisar os que permanecem. Morrer à traição.
Mais um motivo para vivermos de propósito – mas sem negligenciar despedidas. Não sabemos quando o celular vai ficar fora de área dentro de nossos escombros.
4 comentários:
essa tragédia mostra mais uma vez a incopetência do brasileiro, é uma coisa que poderia ter sido evitada
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Concordo plenamente com o Guru foi incompetência de quem estava fazendo reformas ilegais no prédio, eles que devem ser culpados.
Ri muito da sarcasmo em "...babando um pouquinho..." É bem por ai, o ser humano sobrevive das desgraças alheias, afinal, que a de melhor que a desgraça do outro pra nos sentirmos afortunados, né mesmo?
Quanto à culpa infrigida nos outros comentários, as decisões de um nem sempre levam a consequência natural de estarmos vivos.
É o Brasil do improvisado e da imprudência.
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