quinta-feira, 19 de julho de 2012

Comer com os olhos

Minha colega avisou à diretora que iria dar uma saída, comprar algo de almoço. Tinha um certo nariz enjoado da merenda de escola: “Quero comer com os olhos”. Como é que é? “Quero comer com os olhos, ver um negócio que me atraia para tentar colocar alguma coisa no estômago”, repetiu com ar de fome entediada. Assenti, entendendo contente: “Tem de rolar preliminares, né? Amor à primeira vista?”. De fato, de fato; quando se achava em estado assim de quase fastio – precisando de comida sem querê-la –, o único estratagema de consumar e consumir o útil era montando clima para o agradável, ou bem acabava passando o dia desnutrida. Claro: é manha que só cabe em situação de fome circunstancial, civil, sem o imperativo da Fome que tudo aceita e devora sob escassez doentia, sob risco, sob urgência. Fome maiúscula, de sobrevida, desconhece vontades perfumadas. Desconhece o vácuo específico.

Tirada essa hipótese do vazio extremo, porém, apetite é capricho com nome e endereço. Direcionado. Bichinho escolhedor. Sem se limitar à comida, é nela que obviamente nos flagra e desnuda – já que nem sempre somos povo carente de feijão com arroz. Um dia sonhamos o bife sangrando na boca, no outro amamos demasiadamente o alimento com glúten, no terceiro juramos que só um japonês resolve, no seguinte consideramos impossível engolir qualquer sal que não daquela, e nada mais que daquela salada. Por quê? Porque salivamos com a vista; porque o estômago nos ronca de memória; porque a saudade nos faz as vezes de uma segunda (em geral definitiva) natureza. O que comemos em condições normais, comemos por saudade – aquela saudade que nos faz entender sabores como (a)braço físico de nossas projeções.

Tendo saudade, é de nós que a temos – do que imaginariamente fomos ou não impossivelmente seríamos. Daí a gula pelo outro que não apenas sacia, mas transborda a beleza de nossa imagem e semelhança. Daí dizermos que o ser tão amoroso “não é nosso tipo”, daí nos insatisfazermos no trabalho que não produz aqueles 2,6% de faísca inatingível, daí mudarmos de ares e vivências quando a vivência de fábrica já não basta, tão preenchida que ela é de normalidades com feijão e isenta de sobremesa que nos reflita, que nos homenageie, que comamos com os olhos. É geral não servirmos inteiros para o que unicamente nos serve.

(Agora nas férias, viajo: viajar é das maneiras mais felizes e efetivas de merendar a vida com os olhos, visto que é caçar a beleza onde mora a beleza. O Lugarzito, portanto, retorna em alguma dezena de dias.

Espero que não suficientemente saciado.)

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