domingo, 8 de julho de 2012

Os esperados

Uma dessas historinhas cafonetes de Facebook, que a gente gosta de ler inconfessavelmente, contava dum soldado que pediu permissão ao superior para ir buscar um colega abatido em campo de batalha. O superior negou; defendeu não ser sensato arriscar uma vida por uma morte, já que o tal colega obviamente não resistira ao ferimento. Soldados, porém, são pessoal tinhoso, e lá foi o jovem herói escondidamente resgatar o amigo. Chegou ele mesmo cuspindo os bofes; também se ferira, estava banhado de exaustão, mas não voltou sem o corpo do companheiro acomodado no ombro. “Tá vendo?”, gritou o comandante furioso com a desobediência, “então valeu a pena colocar a própria segurança em risco para trazer um cadáver?”. O rapaz sorriu tranquilidades (todos os bravos sorriem tranquilidades, que há muito ultrapassaram adrenalinas de escolha) e, sem responder, respondeu: “Quando cheguei até ele, ainda estava vivo; me olhou e disse: ‘Tinha certeza de que você viria’.”.

Certo, a historinha é cafonete (ninguém pode dizer que não avisei). Daquelas com trilha violínica de fundo. Mas admitamos que rola comoçãozinha; rola a identificação de nossa fantasia intrínseca: sermos esperados. Por estes dias falei de sermos precisados – animarmo-nos a investir em autopreservação pelo fato de alguém nos ceder preferência –, e também recentemente escrevi de evitarmos incorreções para não botar desapontados os que nos amam. Eis este terceiro viés: não só fugirmos ao erro, mas proativamente perseguirmos, com decidido acerto, o que sacia a pressa dos que nos esperam. Espetacular cafeína essa; senhor empurrão, arrombador de nossas paralisias. Porque há quem nos espere (embora, ou de preferência, sem caso de vida e morte), há urgência libertadora. Há glorioso recesso de hesitações. Há o tesão do impulso puro e simples, sem mais o tempo excessivo de sentir medo – mais sofrido que medo: dúvida. Se o filho está se afogando e você considera que não sabe nadar lá essas coisas, mesmo assim não pula? pula. Se a mãe vem sozinha da primeira viagem de avião e aguarda cicerone particular no aeroporto, balofa de ansiedades felizes, você não larga a reunião importantíssima? larga. Se o marido foi transferido de súbito para outra região, vai na frente para arrumar a casa e em dois dias protesta saudades colossais, você não abandona as longas despedidas de amigos-cidade-família, faz as malas pra ontem e parte pro abraço? abandona, faz e parte. Sofrendo, mas arrancada na marra de qualquer culpa possível – aquela que nos devora e escangalha com a tortura das alternativas.

Ter alguém esperando agora, já! significa mergulhar no prazer de agir estando isento de decisão. Fazer exatamente a coisa certa tão desejada, ainda quando foge às conveniências. Ainda quando fere exigências de trabalho, ainda quando implica desobediências hierárquicas, ainda quando envolve corte de nosso tempo preciso de melancolia, ainda quando nos coloca num xeque absurdo às fobias de tantos anos, tantas décadas alimentadas. Fazer a coisa certa porque é o único jeito, é agora ou nunca, é dá ou desce. É o resgate necessário às secundarices que sequestram.

Correr aos esperantes é salvar quem nos salva.

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