sexta-feira, 13 de julho de 2012

Freaky Friday

Não sei que hei de achar das superstições de sexta-feira 13. Acho talvez engraçadas, de humor tristonho talvez. Está longe do meu feitio emitir julgamento sobre crenças alheias, mas entendamos que há o espaço da crença espiritual itself – sempre respeitável, uma vez que envolva práticas iluminantes de paz e bem – e o lado da crendice baseada em preconceito alastrado e gratuito, que é o que pode existir de mais cabeça-oco. Há o espaço da religiosidade que edifica alguns condomínios de bondade sólida e o lado da cisma de araque, destinada exclusivamente a ampliar nosso repertório (já nada insignificante) de tolices.

A aversão a gato preto, por exemplo. Rolou até campanha dos mais esclarecidos no Facebook em prol da saúde dos bichanos, sujeitos a ações intempestivas de ignorantes. Calcule viver na pele de uma criatura cujo tom não agrada a uns e outros, just because – apenas porque se necessitou confeccionar uma realidade favorável a alguns específicos, entregue redondinha de encomenda aos fanáticos do branco. Gato, ainda por cima, tem a audácia suprema de encarar como igual, em vez de curvar-se desarrogante como os cães, que nos lambem a vaidade. Na disputa, quem vence como mascote do azar: o que se atira aos pés como servo ou o que peita com inaceitável independência? Pois lá veio a fama injusta para os felinos escurinhos, que a um só tempo reúnem lenha para alimentar duas fornalhas feitas de horror à diferença. Meu palpite: azar mesmo é cruzar com tigre não fartamente almoçado. De qualquer cor.

A própria palavra “azar”; há muitos, excessivos, que a ela preferem a expressão “falta de sorte”. Não digo que não haja motivação neurolinguística: o cérebro não gosta de negativas, e, portanto, ao dizermos “falta de sorte”, o que registramos para os devidos fins é “sorte” mesmo. A crermos que a mente procura criar em torno de si o que repete verbalmente, o efeito é compreensivelmente benéfico. Por esse lado, vá. Passa. O que me aflige é esperarem uma torrente de maus fluidos vinda da repetição ocasional e distraída do termo, como um vaticínio de “abracadabra”. E para se vingarem de terem dito, nas escapulidas do papo, a palavra que se queria – mas não se devia –, toc, toc, toc! madeira. Outra peculiaridade que me pasma: em madeira dando sorte, canelada no móvel não haveria de ser proibido? Em algo fixamente dando sorte, por que discordam as culturas que creem no oposto? Se o número 13 é maldito para americanos, por que é o apaixonado de Zagallo? Por que, em milhões de anos de história vivida e navegada, não houve ainda exemplos bastantes de gente fulminada por trezes e gatos e escadas e sextas-feiras, a ponto de gerar uma coerente e tranquila unanimidade?

Porque são bodinhos de que lançamos mão, nós, nós exatamente; são “laranjas” de nossa incorrigível pulsão de controle, são elementos terceirizados de nossa particular mania de explicação e domínio, nossa petulância de formiguinhas. Tomamos a repetição de “azar” como cortina de fumaça para a preguiça de batalhar sortes, como desculpa de resignação à ausência de chances. Pegamos o gato para ícone de nossa incompetência, o treze para símbolo de tanta desistência, a sexta para celebração de autocomplacência, o mundo como responsável direto por nossas responsabilidades inconfessas. Apossamo-nos da insignificância concreta para controladamente fingirmos que não controlamos inclusive o que não gostaríamos de controlar.

Sorte nossa ter um dia para achar normal o azar.

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