domingo, 22 de janeiro de 2017

De repente funciona

Acho muito engraçada nossa mania de dizer “cara, faz isso que de repente dá certo”, “de repente essas manchinhas aí são de dengue, hein?”, “não decidi ainda, mas de repente eu vou lá amanhã”. Não sei se de repente pegamos birra com o “talvez” e o “quem sabe” e resolvemos variar, enjoadinhos; tenho, porém, outra impressão: que essa expressãozinha matreira encaixa fabulosamente em nossa cultura de abracadabras. Os brasileiros, e notadamente os cariocas, levamos por tradição esse pensamento mágico – a coisa não é, não é, não é, até que do nada passa a ser e fica sendo, olha que lindo. A gente vê, a gente se encontra, a gente se esbarra por aí; não carece marcar, criar compromisso. Fica mais gostoso de repente, não mais que de repente.

Compreendo que a linguagem ajude a atenuar as dores: na verdade não tem vírus nenhum não, ele está ali só de boas, só dando uma olhadinha, e bem casualmente pode gostar do que vê e decidir se instalar. Entendo isso; somos herdeiros duma história sofrida e o idioma é nossa almofada. Mas um discurso que anda de capacete, caneleira, joelheira, óculos blindados, luva, cachecol, escafandro, macacão de astronauta e colete à prova de balas também nos tolhe o ímpeto linguístico, o movimento categórico. Vamos marcar? Sim. Quando? Terça. Que horas? Dez – sem surpresa, sem bibbidi-bobbidi-boo, sem a Fada Azul dos encontros. Bora falar com a Godofreda para consertar esse vazamento do prédio? Agora? Agora. Pronto. Falei. E ela? Telefonou para a equipe responsável; estão a caminho – sem sustos, sem esperas de um milagre hidráulico, sem de-repências filhas da procrastinação.

Admito que sou, também, procrastinadora típica dos quarenta e vários graus cariocas. Quem sabe se a escaldância de nossas quatro estações – verão, mais verão, semioutono e inferno – nos deixa parvos demais para decisões longas; quem sabe se nosso passado de bajuladores da família real nos predispõe ao que é flexível e caprichoso; ou se o vaivém do mar nos martela que tudo muda o tempo todo no mundo, e dane-se tudo, porque nada do que foi será. Mas o fato de termos mais desculpas do que praias amacia e não soluciona. Precisamos não precisar de heróis – porque o “de repente” é o deus ex machina ideal, a magia da cartola, o ídolo dos que não se organizam. Nunca viveremos a perfeita ordem finlandesa, OK, porém é necessário que todos funcionemos, todos queiramos, todos fiscalizemos, em lugar de aguardarmos o Indiana Jones da política, o Luke Skywalker que trará equilíbrio à nossa falta de força. O “de repente” é a exceção, o contato imediato de terceiro grau, o rei Dom Sebastião que vem a galope. Mas tem coisa que não rola a galope, que pede a vontade ligeira e coletiva do trem-bala, pronta sempre, sempre forte. É impaciente demais o campo de batalha de todos os dias, não dá tempo de sentar e esperar o Encoberto; o jeito é, num abraçaço, darmos cobertura uns aos outros.

Quanto mais nos apoiarmos num ciclo de cuidado mútuo, menos subjugados estaremos a qualquer um que, de repente, prometa cuidar de nós.

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