sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Vendedores de nada

OK, admito que não entendo chonguinhas de bolsa de valores e mercado financeiro. Mas me corrijam se eu estiver errada: o que sustenta nosso fagueiro sistema capitalista tem sido, há décadas e já séculos, a perversão inacreditável de negociar abstrações. Há uma ideia, um conceito, uma aposta, uma esperança, com base numa também abstrata tendência, numa possível necessidade; em torno desse ectoplasma se briga, se discute, se especula, criam-se e vendem-se ações (nome sarcástico de algo tão fantasmagoricamente passivo, que melhor se chamaria de factoides). Esses pedacinhos de nuvem, esses lotes de paraíso comprados na planta murcham ou embalofam de prestígio conforme a TPM do mercado, o boato que alguém sibilou na piscina do hotel, o espirro do presidente, a ameaça surda e pairante de ataque terrorista. Ao fim e ao cabo, um bolhão maior de mistificações termina estourando, tsunamizando a vida dos menores, regando a horta e enchendo o açude dos maiores – uns vão pro topo da Forbes, outros vão pra baixo da ponte: segue o lance. That’s life.

That’s life o caramba.

Tá que esse resumo é de um simplismo ridículo, mas nisso estamos quites, planeta: tens complicado demais, dificultado demais o que era simples, seu pulha. O que era simples? Quem produz o que é material – vende: planta alface, tira petróleo, dá aula de dança, abre um sebo, faz artesanato, desenvolve um software, monta uma carrocinha de cachorro-quente. Colhe, cria, ensina, desenha, costura, troca, orienta, treina, constrói. (Já acaba não sendo justo, porque nem todo mundo tem a mesma chance e o mesmo começo; mas aí é buraco de mais para cavar numa assentada.) Assistir ao ótimo e cruel A grande aposta, entretanto – que quase abocanhou o Oscar ano passado –, soca em nosso estômago a realidade de irrealidades: ganha-se dinheiro forte vendendo absolutamente nada. Só fumos de uma loteria imaginária. Só brisas de uma sacada mental. Rien de rien.

Gente de verdadinha, carne-osso-nervos, passa uma fome bem denotativa porque uma seca BEM palpável lhe arrasou o plantio, enquanto um Mister Fullanon toma café da manhã com espumante porque acertou em prever que muita gente de verdadinha perderia suas casas. Gente com cabeça-tronco-membros não consegue financiamento para seu ateliezinho de vestidos de noiva, enquanto um conglomerado já bilionário de manipulações despeja seu dote em outro conglomerado já trilionário de outras tantas, em feliz união, até que a morte de inúmeros pequenos negócios mais os una. Gente feito sua mãe ou seu filho foi arrancada do prédio abandonado há 28 anos, enquanto há 28 anos a construtora está com o megablasterprojeto congelado, após ter vendido aos clientes a fantasia colorida do éden. “O mundo é complexo”, argumentam com seriedade as gravatas da velha dinastia, “há regras, há normas, há uma organização”. Beleza; mas o legal não é necessariamente o moral (por sinal, que fácil seguir as regras que nós mesmos fazemos ou compramos!), e, da última vez que olhei, as leis é que tinham sido feitas para o homem – não o contrário. Também fica um pouco constrangedor falar sobre legalidade/moralidade depois que soubemos: tem oito caras com a posse de metade da Terra, e tá supercool para o restante de nós. Há regras. Há normas. Os que apostaram no cavalinho mais adequado têm prioridade.

E eu tenho o palpite do milênio: cem contra um que este mundo já não está dando certo. 

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